Será que “a emenda sai pior que o soneto” mesmo?

Texto de Eduardo Maciel


Olá, kurumateirxs amados! Espero que todos se encontrem bem e com saúde…
Com certeza todos vocês já ouviram a expressão popular atestando que “a emenda saiu pior que o soneto”, certo?
E muitas vezes é isso mesmo o que acontece…

Mas o que os sonetos e as “emendas” foram fazer em ditado popular, se tanta gente nem é – digamos assim – íntima dos sonetos?

Reza a lenda que, há cerca de 200 anos, a expressão nasceu quando o famoso poeta português Manuel Maria Barbosa de Bocage (Bocage apenas para os íntimos) recebeu um soneto pra revisar. Sim! Bocage, além de escrever também revisava escritos alheios. Daí a gente vê que há tempos a vida não está fácil pra ninguém, não é mesmo? Rs

E ao que parece, Bocage encheria de marcas de revisão o poema, tornando-o assim mais feio e desordenado que o soneto original. Por isso devolveu o poema ao jovem dizendo-lhe que não o revisaria porque as emendas seriam tantas que, no trabalho final, as emendas seriam ainda piores que o soneto. Ao que parece. E pobre rapaz. Porque se eu pudesse enviar um soneto meu pra revisão de Bocage, a emenda seria via de regra melhor que o soneto original.

Salve, Mestre Bocage (e sua perfeita concepção dos sonetos, repletos de sarcasmo e autenticidade)!

Pois bem: desde então, a expressão vem desafiando tempo e espaço, e se tornou pop em conversas em língua portuguesa.

Na prática, usamos o ditado quando queremos remendar algo (qualquer atitude) mas hesitamos, temendo piorar ainda mais as coisas. E de fato precisamos sempre fazer essa consideração anterior, porque há coisas onde não cabe remendo, sendo suficiente um pedido de desculpas ou um refazer diferente, ao invés de tentarmos em vão justificar o injustificável ou tentar desviar a atenção de algo do seu âmago.

Orlando Neves, em uma definição mais objetiva, disse que o ditado significa “cair em pior erro que o erro anterior”. Certeiro e direto ao ponto. Mas sem o rebuscamento de incluirmos a palavra “soneto” no dito. Prefiro (óooooobvio) a versão anterior. E nela vou adentrar mais um pouco, se me permitem. Afinal, sou pai de sonetos e todo pai defende (ou deveria defender) seus filhos contra injustiças.

Sonetos são poemas eivados de regras métricas e ritmicas, e sua concepção PRECISA levar o leitor a um fechamento, uma conclusão sobre o tema no soneto abordado, para que a partir daí possa interpretá-lo conforme sua própria visão.

E nesse contexto de regras de concepção, remendos tendem a enfraquecer o trabalho, pois cada verso encaixado em outro tem um sentido próprio. A escolha das palavras escritas por si só são cruciais para esse tipo de produção poética.

Por essas e outras que particularmente não me sinto confortável com “sonetos traduzidos”, pois há irremediavelmente perda de significado. E, se me permitem a redundância análoga, pra mim “as traduções saem piores que os sonetos”. Obrigado, Bocage!
Em minha obra tradução é terminantemente proibida, a menos que seja eu mesmo a traduzir, porque sei exatamente o que desejo transmitir em casa sonetinho. E tenho testado escrever sonetos diretamente em inglês, francês e espanhol. Vamos ver no que dá isso no futuro.

Agora voltando ao tema: daqui pra frente, quando forem vacilar, pensem duas vezes antes de tentar remendar o feito já consumado. Mais franco assumir o erro, se arrepender e seguir em frente.

A menos que amem os sonetos como eu, e queiram sempre tê-los em sua fala. Estou pedindo muito? Me permitam essa licença poética… Ai, ai, ai. Olha eu querendo me justificar. Mas me retenho aqui, antes que a emenda fique pior que o soneto…