Carimã e açaí, ecos da criação

Texto e fotos de Raíra Moraes


Carimã

Há cerca de 15 dias, escrevi aqui sobre um mingau de carimã que bebi em Salvador há dez anos e do qual jamais esqueci. A vontade bateu e resolvi fazer o mingau desde a produção da farinha de carimã. Pus a macaxeira de molho e assim ficou por 10 dias, sem trocar a água. Poderia ter deixado por oito.

Tirei da água, esmigalhei com as mãos, separei os fiapos grandes e lavei bastante a massa puba. Pus dentro de um pano e espremi para tirar o excesso de água. Essa massa, chamada puba, é utilizada para fazer várias coisas, mas minha finalidade era a farinha. Então dispus em uma bandeja de alumínio, em cima de um pano, e pus no sol para secar.

Ali ficou dois dias porque não bate sol de forma uniforme na parte externa. De vez em quando eu subia para olhar, tirar da sombra e remanejar a bandeja para onde estivesse o sol. Devidamente seca, peneirei e bati no liquidificador o que ficou na peneira, por sugestão da minha mãe. Finalmente a farinha pronta, ontem fiz o mingau!

Ele pode ser feito com leite de coco ou de vaca. Optei pelo coco. Fiz o leite, com coco fresco e, maravilhada, vi aproximar-se a hora de experimentar de novo aquele mingau que ficou na minha memória “palativa”! Gente, que delícia! Fiquei tão feliz de conseguir fazer e de ter ficado tão gostoso!

Quem me passou a receita original do mingau foi meu querido Alicio Charoth, um grande pesquisador e conhecedor da cozinha baiana e também das PANCs. O carimã é uma farinha muito saudável, sem glúten, rica em ferro, proteínas, fibras e carboidratos. E saber que a que tenho aqui foi feita com minhas mãos, meu carinho, e sem absolutamente nada artificial, torna tudo muito gratificante e maravilhoso.

Açaí

Depois de muito refletir sobre uma das minhas recentes inquietações, a que fala sobre, se tudo acabar, eu teria feito tudo que tive vontade, tratei hoje de tirar um dos derradeiros, e preciosíssimos, sacos de açaí do congelador! Estou segurando os dois últimos a sete chaves, pois, se acabar, avimaria!

É um prazer inenarrável para nós, nortistas, beber esse ouro negro, ainda mais para quem está fora do seu habitat há anos… Esclarecendo que açaí não é essa gororoba fajuta que bebem os demais mortais que não estejam no Norte do país. Revira-me o estômago aquelas tigelas cheias de granola, guaraná, leite condensado, banana, amendoim, e sei lá mais o quê!

Entendam: o açaí é sagrado para nós, e ele é bebido puro, apenas com farinha de tapioca ou de mandioca, e, no máximo, açúcar. Eu, marajoara, e apreciadora raiz, bebo só com farinha de mandioca. Tomo açaí desde os oito meses de idade. Minha mãe conta que, lá em São Sebastião da Boa Vista, município do Marajó onde nasci, nossa vizinha batia açaí e todos os dias ela separava para mim, que era gordinha e louca por açaí, uma generosa tigela “do grosso”!

Minha irmã mais velha, Luciene, era quem ficava incumbida de dar para mim. Obviamente ela bebia mais do que eu! Imagina se ela perderia a oportunidade de tomar o açaí “do grosso”! (Esclarecendo: temos três categorias de açaí: fino, médio e grosso). Quanto mais encorpado, mais caro. As famílias mais pobres geralmente bebem o popular, o fino. E a vizinha separava o “do grosso” para mim! Ela me amava!

Hoje, minha preferência é pelo “médio bem grosso”. Os bons batedores de açaí sabem fazer isso maravilhosamente. O açaí grosso raiz é tão encorpado que são verdadeiros pedaços de polpa. Esse não me apetece muito. Mas, o “médio bem grosso” é aquele na medida de tudo.

Estamos na época de açaí! Minha mãe mandou um áudio lamentando e dizendo o quanto ela está sentindo por nós, os filhos que moram fora, não estarmos lá para aproveitar. Tudo é melhor: a qualidade, a quantidade e o preço. Pensem numa coisa linda, cheirosa, saborosa: é o açaí nesta época! E eu aqui descongelando na maior tristeza, e desespero, de acabar…