A poesia de Árion Lucas

Bem-vindo, Árion, às páginas da Revista Kuruma’tá, com sua poesia das boas, dessas que nos assaltam de surpresa. “que susto!”… que verso bom demais pra começar um poema, pra começar a vida, para saudar os encontros!

Bora ler logo Árion!

lanterna

que susto!
um macaco
esfomeado
descendo
subindo o
cipó sozinho
no meio da
encruzilhada
a galinha
olhos vermelhos
debaixo
da bananeira
choca os ovos
branca nas penas
nesse frio
um gato preto
passa correndo
farfalhando terra
três cães atrás
o dono em guerra
vem resgatar
vestes escondidas
pra ninguém roubar
diz pus óleo
esquentei
coisa e tal
ia jantar
veio a chuva
pum!
caiu assim
do meu lado
mas saímo ileso
foi deus
depois cortei
isso fui eu
fizemo fogueira
mas hoje durmo
na usina
não tem jeito
muita cobra
recuperando
cada toca
sabe o que faço
se uma dessas aparecer?
se me atacar
eu mato
senão vou assim
se não tem? rapaz
mas tem muita
mais até
que as bostas
as garrafas
e o pano
amarelo
dobrado no
galho
com cupins
do cimento
recém-restaurado
preto cremoso
sob o pneu do
pictograma
escorregadio
na placa torta
ao ônibus da seta
as cigarras
entrecortadas
por carros
na lanterna
do imperador
doada ao alto
pelo feudo oriental
em 1957
sob a palmeira
que corre o risco
de apagar

 


clareira

em sopros de outra vida
desassossegos dorminhocos
as panelas estão de volta
na subida do alto paraíso
empilhadas que nem pagode
em frente desse caminhão
seus vendedores sob o sol
dois senhores numa cadeira
o galo cantando no morro
pra família num piquenique
as crianças entrando no mato
à procura dos mitos passados
dos três troncos quebrados
que formaram um triângulo
entre os cacos de carinho
seus moradores alertando
nossa casa é esta terra
do povo usando chinelo
os corredores sob as copas
labirinto de palmeiras cruas
entupiu? limpeza de fossas
o caminhão perto do vovô
que poderia ter sido um poeta
mas saltou do táxi pra roncar

do zine rota alto, 2021


Árion Lucas é um autor carioca nascido em 1992. Vende zines independentes no bairro Alto da Boa Vista. Publicou os romances Pequenos Sonhos do Tempo (Jaguatirica, 2019) e Todos os Fins (Urutau, 2021), os livros de poesia Silêncio a Lapsos (Urutau, 2019) e Casa Praça (Trevo, 2022), a coletânea de contos Espelho de Nuvens Sãs (Amazon KDP, 2019), além de escrever quinzenalmente crônicas inéditas em arionlucas.medium.com