Não me solta se eu voltar pra casa com as mãos sujas de pólvora

Texto de Eduardo Frota


Resolvi ser homem-bala quando a tinta da minha caneta secou e percebi que não havia mais como escrever poemas. Eu não soube apontar os meus lápis. Nunca aprendi a usar lapiseira. Eu não consegui destravar as teclas da máquina de escrever. Nem consegui riscar nada além do meu próprio nome na areia da praia – e confesso, ele sempre foi deletado com uma certa elegância pela correnteza.

Eu me perdi aos quatro anos de idade em meio à multidão na areia, naquela manhã escaldante de sábado, segurando um picolé de chocolate na mão direita. Enquanto ele derretia e percorria dedos, palma e pulso, doce e gelado, algumas lágrimas, salgadas e mornas, desciam as bochechas feito alpinistas desistindo da montanha.

Eu me perdi na praia e nunca me esqueci quando fui encontrado pela minha mãe, pela mão da minha mãe.

Na verdade, resolvi ser homem-bala-perdida. Ou homem-perdido-bala. Porque era assim que eu fazia: justamente por não mais conseguir escrever – ainda que não fosse por fadiga -, vagava de bar em bar feito alma-penada-perdida. Ser um homem-bala para errar o tiro, errar o rumo, errar a mira. Vai ser errante na vida – disse o pequeno cramunhão por detrás do meu ombro gauche, esquerdo. E assim todos podem dizer, com suas bocas cheias de doces, cheias de balas coloridas:

— Lá vai o homem-bala, perdido.

ou

—Lá vai o homem-bala-perdida.

Este homem-bala que um dia foi poeta, mas que não soube apontar os próprios lápis. Pode? Agora é apontar pra se atirar nessa vida de ai meu deus. O homem-bala que não lembra o próprio nome de tanto que as ondas insistiram em apagá-lo da areia. O homem-bala que bebe, bebe mais, bebe mais três ou quatro vezes mais ou menos uns quinze tragos.

Eu, na qualidade de homem-bala, não deveria dizer isto aqui, mas executo divinamente o truque da fuga. Não, saibam que nunca quis roubar o lugar do mágico no circo. Eu fugia tão bem, eu, este grandessíssimo filho de uma puta, que foi moleza adentrar a caravana circense para ser um errante, um homem-bala-errante. Ou homem-bala-perdido? Ou homem-bala-perdida?

Preparar, apontar, fogo.