A poesia de Jéssica Iancoski

Mesmo em tempos duros, talvez até principalmente em tempos duros, a poesia dá um jeito de chegar à nossa porta, ou à nossa caixa de e-mails. Foi assim que nos chegou a poesia de Jéssica Iancoski. Depois de uma troca de mensagens e ideias que foram ficando pra depois, no vácuo estranho das coisas por fazer. Passado algum tempo, que sempre parece muito tempo nesses tempos duros, Jéssica nos endereçou poemas; a melhor maneira de retomar uma conversa.

Deixemos, pois, para que não fique para depois, que a força da poesia de Jéssica Iancoski chegue até você, como veio a nós. inesperadamente.

ADVÉRBIO

a palavra é avermelhada
talvez carnívora e pouco reflorestada
vale mais extirpada
da terra do âmago
e do ventre esmirrado dos homens

a palavra é servida crua e explorada
ao pé de mesas de paubrasília
maracutaia estripada
estrupício estropiado

solimões, urucum,
cachaça de jambu
colorau guaraná
buriti pupunha
pirarucu tucunaré

a palavra é tinta genocida
e des-mancha facilmente o advérbio
pororocas levantando sangue de verbo
jorrando brasis sem modo,
com intensidade, lugar e tempo
e demasiada negação des-matada,
macunaíma desvairada.


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“quando a árvore fica em pé,
faz sombra e fica frio
faz sombra e fica frio”
fica frio.

nadar nadar nadar
e morrer na praia na praia
e nada e nada
aglomeração piara
futuro incerto paira sobre vidas
e idas à praia à praia
pegar jacaré genocídio
presidente de biquíni
topless
e morre o índio.


NÃO É UM CANTO, É UM LAMENTO

criam boi em terra indígena
plantam soja em área ilegal
desmatam até a última pena
tiram o couro do solo animal

é uma pena é uma pena
é uma pena, um vendaval,
um coro, um lamento de aves
no desmatamento tropical

Ararajuba Arara Arapará
Japim Japu Juriti-Pupu
Saurá Suiriri Surucuá
Udu Urubu Uirapuru

É só soja e boi soja e boi
É só soja e boi soja e boi

— garimpo ogro é o agro —
negócios.


IBIAPINA

No ibi há Macaba
Emburi Indaiá

Guirá que pia
Não é só sabiá

: tem Jacu Macuco
Maritaca Tangará

vida com mais potira
se não fosse Ibiapina

é uma pena é uma pena
a Ibiapina a Ibiapina
a Ibiapina


Jéssica Iancoski é escritora, poeta e artista plástica. Publicou em várias antologias e revistas, nacionais e internacionais. Teve o poema “Rotina Decadente” reconhecido pela Academia Paranaense de Letras, aos 16 anos de idade. É idealizadora do Toma Aí Um Poema – o maior podcast lusófono de declamação de poesias, segundo o Spotify – com mais de 40 mil ouvintes diferentes, ao longo do tempo. Nasceu em Curitiba em 10 de Fevereiro de 1996. É formada em Letras pela Universidade Federal do Paraná e em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.


4 comentários

  1. Posso considerar que a Jéssica e seus poemas tem sido uma das melhores ‘descobertas’ neste tempo tão sombrio. Uma verdadeira luz intensa em meio a escuridão.

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