Texto de Eduardo Maciel
Olá, querides kurumateires!
Eu não poderia deixar passar batido o mês do orgulho LGBTQAIP+ sem vir aqui derramar algumas palavras sobre o tema com vocês. Não mesmo.
Não me considero um militante da causa, porque em caso contrário deveria ter uma agenda pessoal de engajamento específico nesse tema. Mas com certeza, por estar representado na sopinha de letras, me sinto compelido a falar algumas coisas sobre esse assunto.
Poderia começar frisando aquele clichê mais do que necessário que atesta que “orientação sexual não é uma escolha, mas o preconceito é”. Excelente começo. E tudo o que vem a seguir aqui no meu texto parte desse princípio.
Sou branco e privilegiado por ter tido acesso a muitas coisas que deveriam na vida ser garantidas a todos os seres humanos, mas infelizmente não o são. Por esse motivo, passei um longo tempo da vida não me achando no direito de me apropriar da voz das minorias, da periferia latu sensu. Confesso que ainda sinto um certo desconforto, já que a realidade nua e crua certamente é bem mais penosa para um monte de gente que eu sequer conheço. Porém, a empatia me aproxima. E no fim das contas todo mundo merece ser ouvido (ou lido), independentemente de qualquer coisa. E é com aquele clichê e essa última afirmativa que gostaria de ter a atenção de vocês.
Querendo ou não, sou uma pessoa exposta. Mas cismo em achar que não me exponho muito quanto a questões pessoais. Vai entender…
O fato é que sou gay assumido, casado formalmente com um homem que, além de ser meu marido, ainda me brindou com a possibilidade de conviver e exercer influência sobre duas crianças, meus enteados. Uma faceta das tantas e tantas famílias modernas das quais ouvimos falar, sobejamente nos últimos tempos. Porque o tempo não para, nem as evoluções sociais.
No entanto, me parece que, se por um lado nos grandes centros urbanos brasileiros a questão do convívio harmônico entre pessoas diversas seja algo mais difundido, o contrário ocorre nos vastos rincões desse Brasil de meu Deus.
Temos sim notícia de muitas atrocidades contra o povo gay (generalizando aqui) praticadas no ambiente das cidades, e é com base nessas ocorrências e incidentes que são materializadas pesquisas e estatísticas de ataques homofóbicos, transfóbicos e similares. E em cada caso concreto existe sim um cerne de absurdo nesse tipo de violência, seja ela física ou psicológica. Temos que enfrentar o problema e sim, precisamos do engajamento de TODES, gays ou não, em defesa dos nossos direitos humanos e portanto fundamentais. Essa luta está apenas começando, e dela não hei de me esquivar. Ainda que isso me exponha.
Agora me digam: já pararam para imaginar a sombra que torna invisíveis essas atrocidades em locais mais ermos, distantes dos centros urbanos?
Gente, podem acreditar: nesses lugares, a situação é MUITO PIOR. Caps lock hiper necessário. Por um lado, porque as vítimas sequer sobrevivem para contar a história. Por outro, porque quem sobrevive acaba tentando curar suas cicatrizes em casa, na penumbra e não raro escondidos até mesmo de seus familiares, por medo desse tipo de exposição. E todos esses casos de perseguição acabam não vindo à tona, e portanto sequer são contabilizados.
Sem o registro do problema, como então dar visibilidade à homofobia interiorana? Como trazer para o debate essas maldades praticadas diuturnamente no campo, no interior? Como fazer com que essas pessoas tenham acesso a ferramentas de proteção ou reparação, às quais todos têm direito?
Vocês podem pensar: ah, é pra isso que servem as ONGs e demais entidades protetivas. Certo? Em parte.
Há muitas organizações que tentam penetrar os ambientes mais longevos para legitimar para esses grupos sociais uma saída, mas que ainda assim não cobrem a totalidade dos casos. Nem perto disso.
E comparando as cidades com essas áreas, vemos o problema expandido em progressão geométrica.
Isso me tira o sono muitas vezes, e acho que alguém deveria falar sobre essa discrepância. Que seja eu esse alguém. Porque tal reflexão é de extrema relevância e urgência.
Acho maravilhosas as paradas e eventos (nesses tempos pandêmicos virtuais) que chamam a atenção da sociedade para a luta LGBTQAIP+. No entanto, já perceberam que essas manifestações só existem nas capitais?
Não deveria ser assim. Diversidade é bom para todo mundo. Diversidade faz uma soma se transformar em multiplicação. Diversidade une, não separa. E somos diversos por natureza. É uma questão de aceitação e consciência. Uau, então deveria transcender as barreiras de tempo e espaço!
Mas, infelizmente, não é isso o que acontece.
Qual a solução? Eu mesmo me faço repetidamente essa pergunta. Sem achar uma só resposta que resolva o problema. Creio que as respostas são várias, na verdade.
Mas de uma coisa tenho absoluta convicção: tudo começa a partir do momento em que descortinamos o problema. Quando falamos sobre ele. Quando refletimos a respeito.
Por isso resolvi compartilhar esse texto com vocês, na esperança de acender aquela faísca, sabem? A faísca que é a gênese da ação, da atitude.
Pensem em como cada um de nós, que vamos passar uns dias em casas de praia ou campo, podemos fazer a diferença nesses locais.
Pensem em como podemos indagar com conhecidos e afins, que estão inseridos nas periferias, sobre essa questão. Como podemos descortinar para essas pessoas invisibilizadas ao menos uma opção que não seja a morte, a perseguição, a violência, o bullying e o descaso.
E, assim, ampliarmos as geografias onde o “orgulho gay” se materializa.
Estão de acordo? Precisamos acordar, coletivamente. Porque enquanto isso não ocorre, muitos de nós dormem sem saber se verão a luz do dia seguinte. Literalmente.
Fiquem em paz, cuidem de si e dos demais, e (se der), comemorem o fato de que não temos todos os mesmos desejos. Pois é justamente isso que nos permite realizar individualmente os nossos próprios desejos!
Happy Pride para todes! 🌈🌈