A névoa do cotidiano

A Kuruma’tá é casa da poesia. Versos nos chegam constantemente no inbox e isso, como já escrevemos antes, é de uma grande alegria. Dá noção de que a revista chega nas pessoas, chega em cada poeta que nos procura, que nos escreve. É chegada aa vez de Marcos Mamuth, poeta desde sempre, com três de seus poemas para iluminar nossas páginas.

Seja bem-vindo, Marcos, com a qualidade inspiradora do seu trabalho poético!

Poemas de Marcos Mamuth


Ruptura (l)

Eu,
ao menos,
me lembro de ti,
e não permiti
que a névoa do cotidiano
escondesse de vez
nosso carinho profano,
nossas risadas breves.

Leves
eram os teus passos sobre mim,
e me fustigavas a pele do rosto,
assim,
de um jeito tão oposto
ao que aprendi sobre o amor…
Havia graça
doçura,
dor.

Havia noites
em que eu vagava insone,
sem biografia,
sem nome,
procurando essa tua alma embrenhada
em caminhos perigosos

Havia dias tristes e chuvosos
em que eu morava no ventre
da agonia.

Hoje, é só o teu vulto quem me olha,
e com desdém.
Eu o encaro
também.
Pergunto a ele onde está o resto de ti
que perdi.

Não há resposta.
Os dados rolam na estranha mesa revestida de cetim.
A aposta foi feita,
Perdemos.

Fim?
Sim.


Ruptura (ll)

Olho em direção à tua janela,
e te presumo desatenta,
diáfana e cruel
atrás dela.
Tão inalcansável
e malditamente bela.

Tão impassível,
impalpável,
volátil
e impossível.

Aprecio agora nossa obra final,
feita com sobras do que fomos.
Ah, quanto imploramos
para que não partíssemos.

Essa insólita escultura de gelo criada com memórias,
olhares encantados,
carinho e beijos esquecidos
agora será derretida pelo calor inclemente do verão.
Logo não haverá mais nada,
nem o menor traço
do que foi nossa cruzada.

Fim?
Sim.


Elegia Aos Deuses Gentis

Se soubesses
em quantas noites
se esgueirou cruel a madrugada,
em quantas camadas
de delírio e memória
desenhei nossa história…

Quanto desejo e temor
em amor transmutado
ou coisa parecida,
minha querida…

O que teríamos sonhado,
o que teríamos sido
nessa coisa-vida
que julgávamos esquecida,
só um louco saberia.

Então,
eu não te pediria
mais do que um dia
seguido de outro dia.
E um beijo
contornando a rota incerta
dos teus quadris.

Os deuses,
por enquanto,
por encanto,
por um triz,
cismaram de ser gentis.
Como a gente,
inocentemente,
sempre quis.

Marcos Mamuth

Marcos Mamuth é também (des)conhecido como  Marcos Alberto Taddeo Cipullo. Nasceu em São Paulo, no bairro da Mooca, em 1965. 
Guitarrista e compositor desde 1979.
Psicólogo desde 1988.
Escritor desde 1986.
Professor universitário desde 1993; a partir de 2008, na  Universidade Federal de São Paulo (Campus Baixada Santista).

Poeta desde sempre.