“são sementes que enraízam na gente” — A poesia de Ana Amorim Fontana

O inbox é o centro nervoso da Kuruma’tá, é o ponto convergente da alegria. Sempre que o inbox dá um plim, corro pra ver quem tá chegando com poemas, crônicas, contos ou outras interações sempre bem-vindas.

E foi no inbox que chegaram os poemas de Ana Amorim Fontana, paulista, 15 anos de idade, e poeta. Poesia começa cedo na gente. Quase em todo mundo. Tem gente que esquece; normal Tem gente que pega a pena e não larga mais. A Ana encheu a gente aqui de alegria súbita, não só por ter procurado a Kuruma’tá, mas pela qualidade e força do seu trabalho.

E é com essa alegria, respeito enorme por uma jovem poeta tão vigorosa, que publicamos cinco de seus poemas, acompanhados de uma de suas belas ilustrações, pois ela é também versada no talento das artes visuais.

Arte de Ana Amorim Fontana

Pessoas vazias

aqueles que não se entregam
não mostram seu ser
não pensam em valores
só vivem
essas pessoas não se dão a chance
de se abrir
de ver a si mesmo
de crescer
e florescer
porque a vida é essa fiel desafiante do ser
e basta somente a ele
saber o que os outros veem
ai que mora o perigo
essa escolha
gera medo
gera tamanha insegurança
ao invés de germinar
aos poucos
se perdem
morrem sem perceber
e vazias
são essas pessoas
que padecem
sem ver
sem saber
que nada tem a oferecer


Coisas enraizadas e seus antônimos

a vida pode ser dividida em duas
das coisas passageiras
outra das enraizadas
a primeira é quando pessoas entram e saem
entram rápido
saem aos poucos
mas saem
são as ondas do mar
o sol que se põe
a vida de um lírio
a felicidade
ah essa passa voando
como o pousar de um pássaro
uma hora se está feliz
na outra não
isso tudo é coisa passageira
o que é enraizado mesmo
que vem de dentro
do buraco mais pequeno do ser
é o amor
a tristeza
a raiva
são sementes que enraízam na gente
toda gente tem o lado escuro e sombrio dentro de si
assim como eu tenho enraizado
dentro de mim
a vontade insaciável de falar
de me expressar
de por pra fora
não guardo nada dentro
isso tudo é enraizado no eu


Caracol na mão

é bicho devagar
ao colocar os olhos
se deve ter calma
entender que se tem processos
levando em conta a não importância do ritmo alheio
quando ameaçado
é rápido
porque ferir tem esse ritmo
curar demanda tempo
já machucar
arrancar, não


Solidão

não tenho a solidão
nem o silêncio como amigos
pelo contrário
ambos reforçam a minha situação
de estar sozinha
depois de ter perdido meu alicerce
minha segurança
meu pai
minha vó
não é um momento de paz e reflexão
como muitos romantizam
ao invés disso
é quando os medos e angústias acordam
e tomam posse do meu eu


O tecido frágil e fino que é a vida

Rilke me inspirou em vários de seus poemas e citações
quando fala sobre o destino e suas tramas
são tramas finas e tão frágeis
que podem rasgar a qualquer momento
podem ser rasgadas naturalmente
pela morte
por términos e desencontros
decepções
tudo isso se rasga em um processo lento e entrelinhas
não é explícito
nem visível
acontece onde só a alma habita
o fio da trama da vida
fio esse que pode ser remendado
mas assim como um vaso quebrado
quando quebrado em pedaços nunca volta a ser o mesmo
a trama da vida também não
uma vez perdida, ou rasgada
não se há reparo
que faça voltar a ser o que era antes
a vida é assim
ao longo dela vamos sendo remendados
para poder continuar
mas nunca como nascemos


Ana Amorim Fontana por Ana Amorim Fontana
Tenho 15 anos, nascida e criada em São Paulo, uso a arte como forma de ressignificar tudo o que sinto de mais pesado e sombrio, e me identifico bastante com o trecho do poema “Motivo”, de Cecilia Meirelles,” não sou triste, nem alegre, sou poeta”