O defunto do teu pai | Texto de Marina Pereira Dantas Revista Kuruma'tá, 8 de agosto de 202211 de outubro de 2022 Seja bem-vinda, Marina, à Kuruma’tá, com sua prosa boa de ler, com esse jeito de contadora de história, que enreda a gente nas palavras, parágrafos, cenários e gentes! Bom demais ler e compartilhar seu texto com nossa comunidade. Texto de Marina Pereira Dantas — Foto de Marina Pereira Dantas Certa feita, quando os carros não zuniam acelerados por aí de forma impessoal, meu avô pediu que meu pai fizesse uma viagem de Campina à Taperoá, para levar feira, tralhas e gente. Conta meu pai que: — para dar conta das encomendas, fiz o roteiro confiado a mim por meu pai mais de cinco vezes, até porque na sexta parei de ouvir. Quando retornei para casa, a fim do velho conferir toda a carga, lá soube que faltava um bêbado. Nessa de não cabe mais nada e quem manda no meu carro sou eu eu e sob meu teto você respeita minhas ordens, eis que, o banco do passageiro, destinado inicialmente a minha namorada da rua de baixo, teve que ser aquecido por outra poupança, esfriando a minha por tabela. O “dito cujo” era Abelardo, filho de dona Zinha e Neto do velho Manguara, que veio tirar a sorte na indústria têxtil em Campina Grande, para o descaroçar da fibra branca que tornou a cidade uma das maiores exportadoras do fio, atrás apenas de Liverpool. Em matéria de sorte, o bendito tinha e era muita, destacou-se de Taperoá para Campina atrás dessa modernidade, fugindo da sina de tirador de leite, ao qual o pai, o avô e o bisavô tinham fundado. Branco por branco, tentou um sólido em fibras que pareciam nuvens, quando as máquinas rodavam e iam dando crescimento as fibras, certas plumas se soltavam e pairavam pelo ar, dando ao trabalho repetitivo um ar singelo. Quem sabe assim deixasse seus sonhos mais pertos do céu? Com o trabalho conseguiu comprar uma casa nova no alto, que também tinha branco no nome, o Alto Branco, bairro mais afastado do centro e mais barato, por consequência. Lá foi um pai de família. Casou com a filha da dona da venda em frente a fábrica, com quem teve cinco encostos. Foi neste tempo que a sorte grande diminuiu um pouco, os cinco filhos, logo após crescidos, passaram fugitivos da derrocada dessa suposta candura e foram buscar refúgio no oco do mundo. Alguns chegaram a ocupar cadeira de professor, enquanto outros não têm notícias até hoje. A fábrica vinha de mal a pior e então fechou. Sumiu da noite para o dia. E os filhos passaram a ser a aposentadoria de Abelardo, mandando apenas o sustento, sem qualquer visita. Afinal, nem todo couro fica inteiro após ser esfolado. Mandavam certas reservas aos pais, pelos Correios. Todo mês um envelope branco com letras negras: Ao Sr. pai Abelardo Pereira Costa. Nada mais. Numa dessas, os envelopes foram ficando atulhados nos Correios, até que começaram a ser devolvidos pelo entregador ao remetente. Foi aí que a esposa de Abelardo foi pedir ajuda ao meu avô, ela era analfabeta, mulher que não sabia das coisas. Terminou de ser criada por Abelardo e só sabia lavar louça. Precisava de gente entendida para ver se dava jeito na murrinha do marido. Nesta altura meu avô fez as vezes de um chefe de família, foi tentar pegar os envelopes nos Correios, mas eles já tinham voltado. Tentou encontrar o endereço dos remetentes, mas eles nunca informaram de onde exatamente vinham. Sem solução, tentou acudir Abelardo. Tirou ele do quarto úmido e levou-o ao sol. Tentou conseguir Doutor que desse jeito na tosse, sem solução. O jeito que teve foi de deixar a viúva de Abelardo se acomodar em sua casa e deixá-lo em Taperoá, para ser enterrado com seus parentes, como é o costume da família, com meu pai de motorista, sob ordens de vô. Nesse caso, foi pai e Abelardo para Taperoá. Nas curvas Abelardo ia tentando mais proximidade, ao que pai respondia: — Sai pra lá Abelardo, deixa de teu enxerimento! Sempre fosse um homem sisudo e agora estais inventando moda? Curva outra, tome um rela coxa. Uma mão boba pelo braço e outro espasmo do meu pai: – Sai pra lá, Abelardo! Fica quieto que tu é carona e eu te deixo na estrada! Chegando em Taperoá, as despedidas foram rápidas, sem muita cerimônia. Muitos agradecimentos por parte dos parentes e muita devoção ao meu pai e avô foram dados como garantia. O ano era de eleição e a parentada votou no candidato de vô. Todos ficaram agradecidos, menos a namorada de pai da rua de baixo, que teve que ir no ônibus do sábado, solteira. A Campina GrandeContoCrônicaMemóriaParaíbaTaperoá
Li com muito gosto Marina, é um pedacinho de nossas histórias e idiossincrasias que só a gente entende e valoriza. A escrita é uma arte sem igual, afinal queria dizer que este nome da revista muito me lembra minha infância com meu avô materno, onde aprendi que “curimatã” agente nunca pesca de anzol só de rede. Abraços querida desde as terras longínquas dos povos Cayuga. Responder
Eita, Carlos! Muito obrigada pelas palavras e pela partilha. <3 Sobre o nome da revista, é um espetáculo e variação maravilhosa, que aprendi por conta do veículo. Viva nossas histórias e nossa gente. <3 Responder