Rio Grande do Norte representado na poesia de Wagner Cortês

Wagner Cortês é mais um poeta que nos chega pela nossa Chamada para Publicação. A muito nos orgulha a qualidade do trabalho que está inundando nosso inbox. Direto da cidade de Carnaúba dos Dantas, onde vive, no Rio Grande do Norte, Wagner nos brinda com sua poética que nos chama à terra, à miudeza do mundo e também à vida das gentes sobre esse mesmo mundo! Bem-vindo, Wagner!


Antefaces

escondeu-se pelo cuidado
seu rosto guardado metade 
cheiro descartável invade
a respiração de um sorriso largo
enclausurado pela farsa 
começou a chamar de riso
os olhos que viam o outro

 


Perceptível a olho nu

ao seu redor tudo era vivo
as formigas besouros escorpiões 
aranhas lacraias minhocas 
todos rastejadores de cotidiano 
habitantes de instantes
cada um no seu percurso 

tanta vida na miudeza 

envergonhou-se em ser pedra
quebrou-se ao meio 
e viu a beleza de dentro 
seu ser-tão vivo

 


Intransponível 

a estrada me olhou
com os olhos devoradores de passagem
pegadas de ontem enfileiradas
 seguiam seu curso sem volta

passagem é nome-cidade 
de habitantes nômades
somente as marcas 
permanecem 
riscadas em caules 
em baixo relevo chão 
fezes 

tudo fica pra ontem

 


Miragem sertão 

depois da janela
o sol beijava as coisas
filhote de pássaro chamava a mãe 
a macambira arranhava pedras

depois da janela
recriei a cena 
sertão tinha pernas 
de sariema 
andava na terra quente
comendo poeira de redemoinho
sertão tinha olhos 
de espinhos facheiro
 avoava da cor de concriz
no rastro da cascavel 
cantava repente 
e cuspia o veneno do peito

depois da janela 
sertão rezava 
de unha encardida 
com terço na mão 
ave maria na boca da noite 

depois da janela 
silêncio estiagem 
badalava o chocalho pouco
sertão chorava água doce
no sonho de um inverno pesado

 


Manifesto

ao mundo de gente 
eu grito:
ódio não é coisa boa
é desgraça guardada 
em garrafa de vidro

ao mundo de gente
eu digo:
rancor não é coisa boa
é cativeiro algoz
no corpo escondido

ao mundo de gente 
eu choro:
depressão não é coisa boa
é sangue alvacento
inodoro

ao mundo de gente 
eu sussurro:
escuta coisas boas
há chance para vida
escalar os muros

ao  mundo de gente 
eu trago oração:
sorria de dentro
escancare os dentes
da face do seu coração

 


Burocracia

oh dia burocrático!
venho por meio deste ofício 
pedir-lhe com muito esmero 
que faça um sacrifício 
muito simples por sinal

estique a boca da segunda
para que as terças, quartas, quintas 
e sextas-feiras desprendam o riso
e façam a semana toda 
burocraRISAR

 


Suicídio poético 

hoje me deu vontade
de rasgar todos os poemas 
que talvez nem sejam poemas
que penei em escrevê-los 

hoje pensei em assassinar o poeta 
que talvez nem seja poeta 
mas penei em querer ser
nem que fosse em um instante 

hoje ocasionou desânimo 
um fracasso descomunal 
pessimismo estranho
quebrei o ego do meu lápis tolo 

hoje não me deu vontade de poeta 
não me deu vontade de rima 
não me deu vontade 
vontade nenhuma 

hoje me entrego 
ao suicídio das palavras 
morto nos versos 
quem sabe assim 
viro poesia


Foto de Wagner Cortês

Wagner Cortês de Lima, nasceu em 23/04/1988, natural de Currais Novos/RN, mas mora em Carnaúba dos Dantas/RN há 20 anos. Funcionário Público efetivo do município de Carnaúba dos Dantas/RN. Foi Secretário Municipal de Cultura. Formado em Letras – Língua Portuguesa na UFRN – Campus Currais Novos/RN. É palhaço de rua, ator e músico amador. Em 2015 publicou o Livro “Subjetiva Poesia”.  Publicou em 2019 o Livro Infantil, “O que é, o que é?” pela Editora Brasil Tropical.  Seu último livro publicado foi “É sapo ou é boi?” pela Editora Imeph em 2021. E têm vários cordéis publicados.