Correndo com o bando selvagem de Catharina Azevedo Revista Kuruma'tá, 22 de dezembro de 202222 de dezembro de 2022 Nascido em tempos de pandemia, o livro de estreia de Catharina Azevedo, “deixe o bando correr selvagem”, tem como proposta registrar a tentativa de apreender a descoberta do mundo, do corpo e da cidade de Salvador (BA). Publicada pela Mormaço Editorial (2022, 80 pág.), a obra conta com o posfácio assinado pela compositora, cantora, poeta e também soteropolitana Hosanna Almeida. E é com esse belíssimo livro que Catharina Azevedo nos chega, aqui no inbox feliz da Kuruma’tá, desde Salvado, de onde escreve seus versos e desafia a tessitura do mundo com palavras! Seja bem-vinda, Catharina, nova habitante do território poético da nossa Kuruma’tá! A expansão, essa vontade da descoberta do mundo, é o tema central do livro. Esse desejo pelo ‘sim’. Mas existem também alguns ecos da infância, que eu acho um período fantástico, em que tudo se pode, e você tem essa tapeçaria rica em imagens e associações. Para mim, o livro se desenrola entre o ‘eu’, a ‘casa’ (ou o umbigo) e o ‘mundo’. — Catharina Azevedo (sem título) Talvez a verdadeira redençãosejam esses dedos que se estendemdo outro lado da pontede uma página em branco. Uma tela.Buscamos com candurae um quê de uma aceitação agridocenos tocar. Esse toque, tão ínfimo e breve,que nada pede ou explica,sabe desfazer-seno branco vão dos segundos. Esse ínfimo toque:talvez o verdadeiro roteiroda peregrinação incessante. Nele, uma revelaçãosurgida no escuro útero do mundo. Desço a Carlos Gomes Os pés que construíram essa cidadesão os mesmos que agora vejode rotos traços,suor e calor misturados nas pedras.Eu desço a Carlos Gomes. É preciso amar também as pedras,antes ou depois dos homens. Pensos nos jasmins de Borges:os bagos de uva devem estourar na língua,escorrer na língua,abraçarem-se na línguae eu desço a Carlos Gomes. Fazer arte é bobagem, digomas, todo o resto,também bobagem. A pele que se enruga ao vento,os livros que carrego,tudo a salvo e são. Os 42 degraus da Lapa,(ausência depressa) escreverrápidoNão querer pensar. Parece querer dizer algo,essa multidão dentro de mim. Op. 69, nº1 Como Leonora Carrington,extraio minhas cores dos pulsos. Índigo, viscoso,retrato de lua e prata.Sou uma coruja alquimista. Em alguma curva do tempo,eu me deito, escondida Trapezistas, amores perdidos— meu mundo é repletoE rico comoaquarela que se dissolve. Bailarinas, julietas,olhares trocam carícias Digo sim ao eterno,deus não me intimida. (sem título) Passar como água sobre as pedras,seu barulho e seu cristal:há muito renuncio ao fogo. Há em mim qualquer coisa(um véu de prata iridescente)de nada, seguindo ao encontro de qualquer terraque se arrepie ao contato.Algo de puro, frio e azul. Se eu sequer tivesse nome —queria não tê-lo.O que colore o maré só o céu que se espelha. Catharina Azevedo nasceu em Salvador, em 1997, e é a segunda das três filhas de sua mãe. Cursa atualmente o Bacharelado Interdisciplinar em Artes, na Universidade Federal da Bahia. Gosta de ler e de escrever desde sempre, isto é, desde que começou a entender o que eram as letras e como elas permitiam a contação de histórias. “deixe o bando correr selvagem” (Mormaço Editorial, 2022) é seu primeiro livro de poemas. A LeituraPoesiaSalvador