O duplo refletido | Poemas de Lorraine Ramos Assis Revista Kuruma'tá, 6 de maio de 202310 de outubro de 2023 “O duplo refletido” nasceu como um projeto que buscava uma escrita híbrida e que, apesar de ter sofrido muitas alterações desde seu projeto inicial que imitava o formato diário, sempre teve intenção de abordar experiências de vida relacionadas com o feminino e a violência de gênero, luto e orfandade e as consequências dessas vivências na saúde mental. Tive a intenção de colocar essas discussões em evidência de modo cru, mas ainda com cuidado dado a natureza dos temas. Acabamos de sair da pior fase de uma pandemia com dezenas de milhares de mortos, logo, como o luto não pode ser discutido?” — Lorraine Ramos Assis Três trechos de “O duplo refletido” (Folhas de Relva Edições, 2023), livro da poeta carioca Lorraine Ramos Assis 1 No Brasil, século dezenove, discutiam sobre a mulher gozar dos mesmos direitos da herança no decreto 181. Obstáculos não mais existiam, mas sim uma arquitetura de um mesmo sobrenome a desfrutar os direitos dos filhos. Não importava a decisão profissional de nossos companheiros, ou a educação dada a quem foi parido nesses mares. Na França, os obstáculos eram garantidos pela confiança na organização hierárquica com barras.Barras memoram prisões.Quero sair desse cômodo e nunca mais voltar. Olhar para a face fluvial do mirante azul, a que reconheço desde os afogamentos. Entoar o que me tornaram e falar a língua daqueles a terem me conferido induções dramáticas. Sempre gostei ou melhor, me forcei a ser o palco. E no palco exprime-se imagem e essência, confundindo o telespectador como coautor dos malabarismos linguísticos. E assim fujo.Polida: se minha fala está feita de extravagâncias, conjuntas às maiores obsessões, na vida sou um silêncio para quem a face é demolida tal qual um imóvel ou um espólio de antigos maridos. 2 Onde eu estava? Eu não me lembro.eles fatigam meu nome, mas não me lembro.Lili.Parei. Pensei na própria regata preta e no canal revisitado perto da lanchonete. As vias estavam obstruídas, não havia mais caminho a ser percorrido.Lili.Lineia. Era esse o meu nome? Flor de tulipa rasgada, libero o pó para que saibaAinda vivoMesmo não sabendo ondeAmnésicaCaminho sem mais mastigar a barbárieRecordo-me a perpétua luz projetora do futuro daquele que me disse Somos todos sonhadores. Mas quem está sonhando? 3 sentindo o ar preso em corpo de perpétua fuga consegui fisgar um semblante de madeixas pretas nariz aduncoo olhar a que chamavam a doçura enigmática fora do escudo marmorizado contudo a garota (ou qualquer coisa a ser) contornava tanto os seus gestos que as madeixas por desespero foram cortadas uma a uma e essa pessoa de tanto assinar e esconder o último sobrenome daquele homem sentia não existir mais se ela não sentia nada desde tenra idade quem era eu, afinal? LineiaOu Lyna? Lorraine Ramos Assis (@catarsesoculares), de 26 anos, é poeta, resenhista e editora. Foi publicada em diversas revistas/jornais nacionais e estrangeiros, tais como Jornal Cândido, Cult revista, Relevo, Granuja (México) e Incomunidade (Portugal). Colabora para São Paulo Review e Revista Caliban, além de integrar o corpo de poetas do portal Fazia Poesia. Pesquisa sobre a marginalização feminina em obras ficcionais/biográficas. “O duplo refletido” (Folhas de Relva) é seu livro de estreia. A Poesia