Independência Poética: Dayane Tosta Revista Kuruma'tá, 20 de junho de 202310 de outubro de 2023 Independência Poética é uma série de entrevistas realizadas por LORENA LACERDA Poeta de hoje: Dayane Tosta Mulher negra que cresceu e se criou na periferia de Salvador, entre o Subúrbio e Pirajá. Mãe de Valentina e Lis, esposa de Igor. Professora da educação infantil pela Secretaria Municipal de Educação. Pedagoga e mestra em ensino na educação Básica pela UFG. Autora de Nua e outros poemas (2019). Fez parte da Antologia de poetas baianas Corpo que queima (2019). Dedicada a projetos de incentivo à leitura e escrita. O que te inspirou a começar a escrever? Como quase tudo na vida, a escrita foi aparecendo na minha trajetória de forma espontânea, eu sempre fui apaixonada pelas palavras e isso fez com que eu me expressasse por meio do texto escrito em momentos diversos. Sempre que eu sentia qualquer emoção eu tinha vontade de escrever uma poesia e quando fui ver eu tinha uma coleção grande de poemas escritos e guardados na gaveta. Numa noite de insônia eu decidi que não seria má ideia publicar um livro, isso aconteceu no final de 2018 e desde então eu não parei de escrever e participar de publicações e saraus. O que você faz quando percebe que está com bloqueio para novas poesias? Eu leio. A leitura seja em prosa ou em poesia me inspira de uma forma singular. Mas além disso eu ouço músicas e busco meios de me manter conectada com o mundo das artes. Seu maior sonho como escritor(a)? Alcançar um público maior com a escrita e que de alguma maneira meus textos toquem as pessoas de um jeito único. Assunto preferido de escrever? Relações afetivas e maternidade. Um elogio para sua própria escrita? É uma escrita honesta e clara. Já publicou algum livro? Quais? Caso não, tem planos? Nua e outros poema, 2019, Ed. Vecchio.Desaguar, publicação independente, 2021. E participei de antologias: Corpo que queima, 2019. Petas negras brasileiras, 2022. Poesia de botequim, 2022. Quais inspirações do cotidiano despertam sua escrita? Às vezes eu tenho inspiração quando estou ouvindo uma música, lavando os pratos ou dirigindo. Minhas inspirações surgem por algum sentimento que quero expressar, foi assim com o poema “Ciúme” do livro Desaguar. Mas às vezes alguma palavra me chama a atenção, eu fico hipnotizada e preciso escrever algo com essa palavra específica, foi assim com o meu poema “Escombros”, também de Desaguar. Ciúme Quando o ciúme nos visitar Deixemos ele entrar por alguns segundos Escutemos seus gritos Permitamos o seu desabafo Depois abrandemos o fogo Desse miserável afeto Com as águas de nossos desejos entrelaçados Morre o ciúme Tal como o orgasmo morre no corpo Permanecemos cúmplices De tudo aquilo que nos une Escombros Gostava de confiar nos escombros Aqueles deixados por todos os amores malogradosConstruí meu edifício inteiro sobre os restos daquele afeto Em cima da bagunça que fizeram de mim Reinventei o todo do meu ser Padeço daquele fardo que é amar primeiro Mas do veneno que mata eu provei a curaA dose certa de delicadeza que me fez grande De dentro pra fora é que se encontra completude Qual dos seus poemas mais te define? Do encanto da vida Encantados são os dias De quem a vida simplifica De quem enxerga a poesia De quem não se deixa Sucumbir ao medo Se corro riscos ao viver Me arrisco a dizer Que o mais belo de todos É colecionar cicatrizes Histórias de amor e dor Na trama de cada afeto Uma riqueza de sensações Na escuta do corpo alheio Deixo meu corpo falar também E todo toque é precioso Se teu riso renova minha fé Não deixe o siso tomar conta Pois ser e simplesmente ser É o segredo de toda beleza Delicadeza de cada estação Saber voar depois da queda Levantar apesar do medo Acreditar que o sonho é possível Coisas divinas e encantadas Que aprendi ao caminhar Qual a parte mais fácil e mais difícil da escrita para você? A parte mais fácil da escrita é deixar fruir o espontâneo, a leveza da arte em estado puro e simples, a parte mais difícil é ter que lidar com as regras, técnicas, métricas e todas as tentativas de categorizar e domar a arte da palavra. Outra parte difícil é lidar com a venda de livros, escolha de editora e todas essas demandas comerciais. Qual sua obra favorita de outro autor(a)? Poesia completa de Maya Angelou. Um livro de Dayane Tosta Nome da obra? Desaguar 2 – Quando e em qual editora foi publicada? Foi publicado de maneira independente em 2021. 3 – Existe um tema central nos seus poemas/poesias? Qual? Superação, amor próprio e maternidade. 4 – As poesias são divididas em fases nessa obra? Se sim, o que te motivou a fazer isso? Dividi os poemas em 3 partes: carne, osso e alma. São as três partes do ser mulher designados a partir do desejo, força e liberdade, respectivamente. Minha inspiração surgiu do ser feminino que é múltiplo e pode se revelar de variadas maneiras. O objetivo maior dos poemas é prestigiar a superação feminina pela via do amor próprio. 5 – O que te incentivou a escrever esse livro? Desaguar surgiu do desejo de deixar fluir o rio da poesia e com isso alcançar pessoas que compartilham dos mesmos sentimentos expressos no livro. 6 – É possível destacar uma poesia que mais se assemelha a seu cotidiano? O poema Quietude é como se fosse uma prece, um desejo, algo que gostaria de viver todos os dias: Quietude SilêncioCalem-se todos Preciso ouvir meu mundo interior Calei as expectativas alheias Me muni da potência da minha voz Entrei em campo de batalha contra o teu preconceito Fiz o meu próprio abrigo Limpei as minhas feridas Me perdoei É de dentro que se encontra amor – o próprio 7 – A sequência dos poemas conta alguma história? Conta a história de uma mulher que depois de muitas desventuras amorosas descobre sua força e liberdade a partir dessa descoberta consegue se portar no mundo de maneira amorosa e autoconsciente. 8 – Existe algum posicionamento político ou cultural na obra? O feminismo e antirracismo perpassam de maneira sutil a obra. 9 – Qual a relevância dos personagens implícitos/explícitos da obra? O texto apesar de desvelar a alma feminina trata de temas que tocam a natureza humana de modo geral, portanto, qualquer pessoa que tenha sentimentos vai se sentir tocada pela humanidade dos poemas e essa é a maior relevância da obra. 10: Qual a poesia mais marcante desse livro? Tem vários poemas que me marcam, inclusive o que dá nome ao livro “desaguar”. Mas “Submersível” é um poema sobre maternidade que sempre fica martelando na minha cabeça. Deixo aqui os dois poemas como mais marcantes. Submersível É cruel e belo ser mãe soloÉ ambíguo Infinito de peso e leveza Submersível – pode boiar mas sempre afunda Contudo não se morre afogadoSer mãe é ter tecnologia de submarino embora sem dinheiro pra fechar a conta Mãe é projeto de formar pessoas É ignorar-se em função de outremÉ a insuportável certeza de que vou suportar Até o fim das forças é impossível É a magia de encontrar mãos amigas É belo ser mãe É suportar sozinha a crueldade dessa beleza Desaguar Hoje eu transbordo Seu padrão não me contémSua fórmula não me defineSeu olhar já não me diz nada Eu sou como um rio que flui Desconhecendo empecilhosDesviando das pedrasSeguindo o fluxo da própria natureza Quero desaguar em outros maresSentir o gosto de outras bocasConhecer outros mundos Permitir o toque de outras mãos Eu me fiz livre Depois de ultrapassar Os limites do seu egoE vencer o peso do seu julgamento A Independência PoéticaPoesia