Poema de Numa Ciro
A Revista Kuruma’tá tem a alegria de trazer para você a poesia de Numa Ciro. Seu Martelo Agalopado, em resposta ao Trupizupe do poeta Braulio Tavares, é a porta que se abre para um universo riquíssimo, vibrante, feito de poesia, teatro e música. Numa Ciro tem ousadia e força no seu fazer artístico, que se mistura com sua vida e a vida de quem dela se aproxima. Planeta exercendo sua gravidade e fazendo a luz girar.
O poema Meu nome é Numa Ciro foi publicado originalmente no Lendário Livro. Lançado em maio de 2018 o Lendário Livro, pela Rubra Editora, é uma coletânea de poetas, com organização de Toinho Castro e participação de Numa Ciro, do próprio Toinho, Aderaldo Luciano, Braulio Tavares, Nonato Gurgel e Otto.
Este Martelo Agalopado responde ao desafio
Meu nome é Trupizupe
de Braulio Tavares
Pois não tinha serventia metáfora pura ou quase o povo é o
melhor artífice no seu martelo galopado no crivo do impossível
no vivo do inviável no crisol do incrível do seu galope
martelado…
Galáxias – Haroldo de Campos
Ao cantar desafio estou contigo
Oh poeta que sigo e admiro
Estatura não tenho mais prefiro
Ser o anjo que afasta o inimigo
A morada do amor é meu abrigo
O desejo da rima é combinar
O sentido do mote está no ar
Quem pegar na palavra diz o seu
Quem pensar que eu não canto escute o meu
É com ele que vou me apresentar
Meu nome é Numa Ciro
Sou a relva da Campina
Meu nome é Numa Ciro
A providência divina
Meu nome é Numa Ciro
Sou artista de Campina
Meu nome é Numa Ciro
A providência divina
Sou o vôo do desejo no horizonte
O riso da criança desejada
Lisboa, em Pessoa, visitada
A verdade beijou a minha fronte
Sou La Dolce Vita de uma fonte
A taça nas mãos do vencedor
O peito que acolhe o perdedor
A brisa da sorte na desdita
Sou a crença daquele que acredita
No projeto de paz de um sonhador…
Sou a voz que atravessa a escuridão
A voz da minha mãe sempre a cantar
As vozes das cantigas de ninar
A conversa que esquenta o coração
Sou boneca de pano de algodão
Imitou-me a rainha de Sabá
Do sermão eu soletro o bê-á-bá
Pelos meus belos olhos um império
Conquistou os recintos do mistério
Sem meu canto esse mundo o que será
Sou o susto da paixão inesperada
O beijo na bela adormecida
A valsa de Strauss em nossa vida
Quando o frevo revela a mascarada
Com a varinha de condão sou essa fada
Sou a mão que recebe o visitante
A casa que acolhe o habitante
E a certeza do pão de cada dia
Eu não posso viver sem harmonia
Sou Chiquinha Gonzaga e Alcione
Madalena confessou o meu pecado
Fui o ócio da primeira vagabunda
Dos meus sonhos a beleza é oriunda
A história nasceu do meu passado
Meu destino pelo verso foi traçado
Fui o sopro de Deus na criação
Sou o Bumba-meu-boi do Maranhão
No cordel sou a rima das sextilhas
Alice no País das Maravilhas
E as sete cataratas do sertão
Sou-o-chi-ne-lo-ve-lho-pro-can-sa-ço
A pausa no mundo que tem pressa
O carrinho na escada de Odessa
E a silhueta do velho Encouraçado
Sou a água que chove no roçado
E o sol que desponta na Sibéria
Utopia que acaba com a miséria
Sou a noiva no altar do casamento
A dor que caiu no esquecimento
E o remédio que mata bactéria.
Sou o dom de ler a mão de uma cigana
De Beethoven a nona sinfonia
Sou a noite que separa o dia-a-dia
E o domingo entre os dias da semana
Sou o fogo que alimenta a velha chama
A Natureza duradoura do amor
A violeta do olhar de Liz Taylor
Sou o fio que desmancha o labirinto
Eu só falo o que penso e o que sinto
Sou a boca carnuda de Bardot
Sou na Festa de Babette o apetite
Sou a bola na cesta do basquete
As coxas perfeitas da vedete
E a forma do belo em Afrodite
Sou A Nega Zefa A deusa Lilith
O raio de Iansã da Conceição
Vaidade aberta em leque do pavão
Sou as águas de março em abril
As cores da Aquarela do Brasil
Sou a força dos cabelos de Sansão
Só se fala atualmente em internete
Endereço eletrônico navegar
Comunica quem aprende a sitiar
Uma bomba que não mata mas impede
A conversa cara a cara sem confete
Pois eu acho esse caso muito sério
Manuscrito já perdeu o seu império
Sobre isso escrevi sem nostalgia
E pra não ter o atraso de um dia
Eu mandei-o para Braulio por e-méio
Meu nome é Numa Ciro
Sou a relva da Campina
Meu nome é Numa Ciro
A providência divina
Meu nome é Numa Ciro
Sou a relva da Campina
Meu nome é Numa Ciro
A providência divina
Aprendi com minha avó, desde menina,
A fazer da cantoria vocação
Assistindo Retalhos do Sertão
Na rádio Borborema de Campina
Zé Limeira confirmou a minha sina
James Joyce com Homero foi casado
Guimarães Flor Lispector encantado
Eu não posso viver sem escritura
Se transforma em criador a criatura
Quando eu canto martelo agalopado