Guardar é outra coisa Revista Kuruma'tá, 29 de março de 202011 de março de 2021 Texto de CARU Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma.Em cofre perde-se a coisa à vista.Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la,isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar, poema de Antonio Cícero(Epígrafe por conta do editor) Tô demorando. Pra entender. Pra escrever. Pra trabalhar. Pra refletir. O tempo agora é outro. Na verdade, eu começo a lembrar sobre teorias diversas. Todas sobre o tem-po. Quando nasci nem existia telefone celular. O telefone de minha casa era daqueles de girar o número. Não tinha botão. Depois de muitos botões, de muitos aparelhos, estamos na era da tela. Sem botão novamente. Desbloqueia com o olhar. Com impressão digital. Bloqueia uma “amizade” num clique, em um outro botão de lá de dentro da tela. Tudo assim. Rápido. Fácil. Sem muito esforço. O tempo é outro. É diferente. O tempo que eu levava pra contar uma história. Pra paquerar. Pra me vestir. Pra qualquer coisa. Era outro. Na minha época (sim, cheguei nessa fase de falar isso) não tinha meme. Era outro tipo de comunicação. De piada. De divertimento. De troca. Nesse momento, enquanto escrevo e enquanto estou em casa – por que posso – lembro daqueles momentos. Em frames. Aquela expressão do “era feliz e não sabia” grita aqui dendicasa. Agora estamos longe um dos outros. Longe mesmo. Fisicamente. Obrigatoriamente. Reflito novamente. Agora fazemos mais telefonemas. Eu pelo menos. E de vídeo (!!!) Até umas semanas atrás isso era o ápice da “invasão”. Mas eu confesso que sempre liguei. E sem avisar mesmo. Não me perdoem por isso. Bebo um gole d’água. Acendo meu cigarro de palha na varanda. Sentada na minha cadeira de sol, super confortável. Lembro do carinho que o amor me dá. Sinto saudades sempre. Observo a vizinhança que quase nunca esteve presente. E hoje está. Uma moça de biquini tomando sol. Uma criança correndo na varanda da frente. Pais brincando de cabana com seu filho. E o melhor: daqui há pouco o meu vizinho-doguinho vai latir pro prato de comida dele. Suspiro. Aproveito para dizer que esses pequenos momentos do agora, são como aqueles do passado. São para sempre. São eternos. Eu não vou esquecer disso. Porque demanda atenção. Demanda cuidado. Demanda olhar pro lado com outro tipo de olhar. Apreciação da vida normal. Sem julgamento. Fruição. Meu vizinho-doguinho começou a latir. Vou ali guardar ele. Guardar na memória. Junto com outros afetos que guardei. O que você tem escolhido guardar? Foto de CARU A AfetoCaruCARUma’táCrônicaTempo