Anjos de Espada Revista Kuruma'tá, 8 de maio de 202011 de março de 2021 Houve esse tempo em que para dizer algo a alguém você primeiro dizia esse algo a outro alguém, que dizia a outro e isso chegava ao moço no navio, que atravessava o Atlântico, o Pacífico, o estreito de Ormuz, para que ali, outro alguém escutasse e passasse adiante, numa cadeia sucessiva de alguéns até que chegasse ao destinatário. Hoje basta um Enter no teclado para que eu saiba a mensagem, basta um e-mail para que chegue assim um poema, lá de Coimbra, falando de anjos. Quem diria? — Toinho Castro , ao receber o poema de Lu Lessa Ventarola. Poema de Lu Lessa Ventarola Partem-se muitos. Os mil demônios ficam. Sobrevoam a noite dos meus dias à espera do banquete que farão com todas as malditas palavras. Estas que, sem terem para onde ir, colaram-se à minha carne. Tenho dúvidas ainda se me entregarei facilmente. Gostaria mesmo de, antes do inevitável, comer eu própria uma centena deles. Demônios. Assá-los em fogo com suas asas abertas. Colocar mel em suas carnes duras e lambuzar-me chupando seus ossos. À mesa alguns anjos diriam amém. Outros apiedariam-se dos irmãos caídos. Mas os meus melhores amigos – os anjos de espada -, ah estes! comeriam comigo o repasto. Depois poderia subir o cadafalso feito uma antonieta. Ou, talvez, no momento da entrega, apenas chore feito cordeiro a ser imolado, acreditando ver passarinhos a sobrevoar o dia das minhas noites. Coimbra, 02 de março de 2020 Foto de Catarina Carvalho A CoimbraLu Lessa VentarolaPoesiaPortugal