Texto de Eduardo Maciel
Olá, querides kurumateires! (Cansei de fazer com x e adotei o novo modelo).
Espero que estejam todos bem e com saúde!
Vim falar sobre ressaca. Mas não sobre ressaca de bebida (talvez isso mereça um outro texto, ainda mais em tempos de pandemia).
Pois bem: segundo a definição de www.livrosefuxicos.com, Ressaca Literária é um termo que se popularizou entre os leitores do mundo todo para a definição de um”hiatus literário”, ou seja, um período no qual enfrentamos os males causados pela ausência de leitura. Para quem não lê com frequência o termo pode não fazer muito
sentido, entretanto, para leitores assíduos (…), a lógica que envolve tal
expressão é clara, pois está diretamente ligada com uma das definições
existentes para a palavra ressaca: “Indisposição
sentida por quem para subitamente de
consumir uma droga da qual é
dependente.”
Mas não é desse tipo de ressaca literária que quero falar. Tem um outro tipo, que sente todo aquele escritor ao terminar de escrever o seu novo livro.
E a coisa é braba, mesmo, e leva um tempo pra que a gente consiga se livrar dela. Geralmente esse tempo é equivalente ao lapso temporal entre o “ponto final” do livro e o momento em que você tem pela primeira vez acesso ao livro físico, após o processo editorial. Deus me livre! Não posso me dar ao luxo de aguardar tanto, até porque estou fervilhando um monte de projetos ao mesmo tempo, e que disso Deus nunca me livre.
Há uma semana terminei o quarto livro da minha série literária de sonetos, o SonetERROR, que é, segundo as minhas pesquisas, o primeiro livro de sonetos dedicado ao gênero de que se já houve notícia. Responsabilidade imensa!
Mas essa é uma consciência do agora, porque quando planejei o livro nem pensei nisso, mas sim no desafio de abordar temas macabros e sombrios usando-me das rígidas regras de métrica e rima peculiares aos sonetos.
E que desafio! Meu parceiro na obra, o generoso Raphael Pinheiro, já o confirmava, quando aludiu à obra como se fora uma flor nascida da fresta entre duas rochas, imagem que inclusive estará no livro. Relendo o material pronto, consigo identificá-lo totalmente com a imagem, porque os versos tendem a ser morada de romantismo, amor e fé, e por isso poemas sempre serão flores. Mas que nesse caso, trazem toda a dureza e penúria de precisar se esforçar muito para sobreviver num ambiente tão inóspito. Assim são as flores desse livro. Assim são os sonetos, desesperados.
E a tal figura de linguagem que o Rapha usou também serviu de inspiração para que ele criasse a marionete, chamada Pierre, que é um ser trevoso provavelmente vindo da Era Vitoriana Inglesa (o Rapha é dark e erradicado em Londres há anos) e que passeia por todo o livro, indicando a sua temática enquanto tenta, de várias maneiras, também brotar de rochas. Um grande presente do Rapha para mim e para o meu livro. E, assim como ele insistiu, de forma não onerosa. Porque sim, acima do terror está uma amizade de 20 anos, ao fim dos quais se materializa o primeiro encontro entre a arte dele e a minha.
Agora voltando a essa sensação de ressaca… Explico: para que eu pudesse levar a cabo tal tarefa, além da criatividade artística, eu iria precisar também passar meu tempo criativo lacrado em uma caixa de referências horrendas, das piores possíveis, para entrar de cabeça nesse universo de dor e sofrimento.
Para isso usei de vários artifícios: comecei a praticamente só ler livros de terror (em prosa, não em verso), assistir a filmes e séries no gênero e conversar (bastante) com o meu amigo de Londres.
Os temas colhi dos meus kiddos (meus enteados), mudando cousa ali e aqui.
Aí é que começou a minha catarse: a cada soneto pronto, mais eu me achava capaz de produzir, com qualidade, meus poemas de terror. E assim foi, até o tal “ponto final”.
Me percebi exausto, machucado de certa forma no âmago do meu funil criativo, sem força alguma, mas feliz.
Feliz pelo resultado e por agora poder fazer como esse gatinho lindo da foto: abrir minha caixa de referências e dar uma espiadinha lá fora.
Espero que não se importem por eu ter trazido vocês para esse momento meu tão íntimo. Afinal, somos de casa, certo?