Texto de Toinho Castro
Nunca lembro se foi 2000 ou 2001… mas foi quando trabalhei ali na Gávea. Foi quando também pude conhecer aquele bairro da Zona Sul, onde havia me aventurado na primeira primeira visita ao Rio, em 1993, para testemunhar m lançamento de um livro de Haroldo de Campos, na livraria Marcabru, que existia no Gávea Trade Center. Fui até lá sem conhecer coisa alguma da cidade, de ônibus, perguntando pelas esquinas. Da Gávea, naquela noite, restou uma névoa, circundando a presença iluminada de Haroldo de Campos recitando seus versos vertidos do Livro de Jó, e umas fatias de pizza numa Mister Pizza, que ficava na esquina de uma rua com alguma outra rua.
De outra feita, já mais familiarizado com o bairro, já morador do Rio, talvez, jantei pela primeira vez num restaurante japonês na cidade maravilhosa, o Sushimar, que resiste bravamente ainda hoje. Na época era pequenininho. Era a noite na Gávea… essas pequenas, delicadas, aventuras. Mínimas.
Trabalhei ali na área por um ano, mais ou menos. A Gávea de dia, o movimento das ruas, ônibus, sair para almoçar nos pequenos restaurantes das redondezas, descobrindo recantos, ruas inesperadas e ventanias cariocas. Sempre atento para não me acostumar e andar de cabeça baixa. Sempre pronto a me surpreender. Foi assim que descobri a Livraria Timbre. Surpreendido.
Naquela horinha de almoço, a gente saiu do trabalho rumo ao Shopping da Gávea, que não me era muito familiar. Depois de comer alguma coisa em algum lugar ali, separei-me do pessoal e fui dar uma olhada nas lojas e vitrines, sem muito interesse em coisa alguma daquela paisagem monótona de shopping center, até que, no segundo andar, dei com esse cantinho. Era a Timbre; pequena, aconchegante, cheia de livros bons, e escondida inesperadamente naquela sequência infinita de grifes. vitrines clínicas, manequins enfadados e escadas rolantes. Era uma livraria. E eu a descobri.
Isso mesmo. Ninguém me falou dela. Não li sobre ela em jornais, nem recebi panfletos na rua anunciando sua existência. Foi uma descoberta, como se eu fosse o primeiro a entrar ali. Senti-me conhecedor de um segredo… Bom, não tardei a aprender que geral conhecia a Timbre, menos eu. Mas ali, na hora em adentrei seu pequeno e muito bem arrumado espaço, pensei imediatamente que precisava contar aquilo pra alguém. E essa é uma sensação muito boa. E foi assim que a Timbre se tornou um keyframe na minha vida, um pequeno farol espetado num shopping, num segundo piso, flutuando acima de tudo. Um lugar de recorrência e sossego. Nem comprei muitos livros, pois vivia com pouca grana. Mas passava por lá sempre que podia, nem que fosse para flertar com os livros na vitrine.
O tempo passou. Mudei de emprego e de cenários. Mudei de quase tudo e nunca mais voltei à Timbre. Minto… em certa tarde de 2019 fui à Gávea e resolvi comer um pastel no Shopping, velhos hábitos. Comi o pastel que já não era o mesmo e subi para ver a Timbre, para confirmar que ainda estava lá meu Aleph de anos atrás. Mais uma vez dei por mim a namorar sua vitrine, sua presença altiva dentre todas aquelas vitrines.
E eis que no fim desse janeiro assombrado de 2021, a Timbre fechará suas portas. Apaga-se o farol da Gávea e esse é o motivo desse texto. Uma livraria encerrar suas atividades dá uma tristeza enorme, tanto mais por saber que ela não conseguiu dar conta da contemporaneidade acelerada, do consumo impessoal, em que pessoas não sabem o que compram e nem de quem compram, ou como um livro chega às suas casas. Comprar na Timbre, na Daziabao, na Marcabru, era conversa de portão em fim de tarde. Reconhecimento mútuo.
O mundo mudou, tudo mudou. Nós mudamos. No dia 31 a Timbre fecha as portas com missão cumprida e um legado de 41 anos formando leitores, iluminando pensamentos, provocando conversas e ideias. Não é pouco, mas o mundo pede ainda mais disso tudo; o que faz com que essa seja uma ausência muito sentida.
Que agonia… a gente vai ficando velho e perdendo livrarias!
Mas descobrir novas livrarias ainda é uma missão. Ser surpreendido por uma vitrine com livros ainda é uma possibilidade nesse mundo vasto, cheio de gente com ideias doidas. Lembro de uma vez em que fui ao cinema Artplex, em Botafogo, e descobri que lá dentro tinha uma livraria chamada Blooks… mas isso é uma outra história na minha história com as livrarias.