Texto de Toinho Castro —
É da natureza do poema pertencer
a todos os tempos, ser atemporal.
Paulo Sabino
A poesia é um dos fazeres humanos mais essenciais, mais ancestrais. Não tenho esse estudo todo, mas arrisco afirmar que é anterior não só à própria escrita, como a muitas outras manifestações do espírito. Ela tá alinhada nessa espécie de código genético, pulsando dentro da gente que nem sangue, coisa que a gente só percebe quando aflora, quando chama. E digo que recorremos à poesia constantemente, que na nossa linguagem cotidiana, de conversas e encontros, aparecem mais que frequentemente pequenos versos soltos, às vezes rimados, às vezes livres… porque tem coisa a ser dita que só se encontra o dizer na poesia.
E dito isto, louvo a iniciativa do poeta e produtor cultural Paulo Sabino, de organizar e botar no mundo uma coletânea de poemas para nos guiar esse período amargo de pandemia que, anda, atravessamos. É nesse entendimento, da poesia como lenitivo, como janela a permitir a entrada da claridade, que o livro Poesia para a pandemia (Selo Bem-te-li – Editora Autografia, 2021) se movimenta e transborda vontade de viver. E não, não se trata da panaceia motivacional, muito pelo contrário. Trata-se do poema como afirmação da força vital, que é terna, é afetiva, mas também com suas arestas e assimetrias.
Poesia para pandemia nasceu nas teias enredadas das redes sociais. Paulo viu sua agenda de trabalhos desabar de uma hora pra outra com o lockdown a disseminação descontrolada da Covid, mas não ficou parado. Criou o projeto 40tena em versos e pôs-se a ler poemas online. A fonte era sua invejável biblioteca pessoal de poesia, de onde, dia após dia, tirou textos e energia para se segurar nesse mundo que de repente ficou virado, de pernas pro ar. Formando um acervo de cerca de 160 leituras, Paulo não resistiu à ideia de que aquilo pudesse ser um livro. Generosidade é a palavra.
Outra palavra, chave nisso tudo, é curadoria. Poesia para pandemia é resultado de uma curadoria de rara sensibilidade. Com olhar a tento Paulo Sabino nos guia nessa cornucópia que despeja diariamente esse tal de conteúdo, em que se fica cada vez mais difícil discernir o que merece ou não nossa preciosa atenção. Embalado num projeto gráfico bonito demais, que faz jus a uma diversidade impressionante, o livro é um imenso (em vários sentidos) diálogo com (e também entre) as mais distintas e ricas vozes poéticas da literatura brasileira. São quase 600 páginas dedicas à poesia, ao fazer poético. Dedicadas à fruição desse sentido do poético, que funciona na gente como uma subtarefa, como se fosse essa rede permanentemente embaixo da gente, enquanto caminhamos na corda bamba de tudo.
Acredito na poesia como essencial. Acredito que ler poesia resgata em nós o poeta, nos torna poetas. Então esse livro que Paulo Sabino organizou e nos ofereceu, é uma oportunidade a que devemos nos agarrar, não como náufragos, mas como surfistas. Vamos subir nessa prancha e deslizar, ao longo da vida. E olhe, você pode até devorar suas páginas numa empreitada só, mas digo desde já que é um livro clássico de cabeceira, de leitura saborosa, recorrente, distraída. Desses que levamos na mochila, numa viagem.
No prefácio de um dos seus belos livros de poesia, Jorge Luis Borges comenta que seu editor disse-lhe que, se ele escrevesse trinta poemas num ano, daria para publicar um livro; ele então afirma sem piscar: Não é possível que não ocorram, em um ano, trinta oportunidades de poesia. Poesia para Pandemia são muitas, muitas mesmo, oportunidades de poesia. Senão de escrever, mas de ler. E isso já nos faz, como afirmei antes, poetas.
Obrigado, Paulo. E que inveja da sua biblioteca!