Independência Poética: Thainá Carvalho Revista Kuruma'tá, 21 de março de 202310 de outubro de 2023 Independência Poética é uma série de entrevistas realizadas por LORENA LACERDA Poeta de hoje: Thainá Carvalho Thainá Carvalho é escritora e colagista sergipana. É criadora da Revista Desvario, uma publicação digital sem fins lucrativos voltada à difusão da literatura contemporânea criada por mulheres. Lançou, pela Editora Penalux, os livros de poesias As coisas andam meio desalmadas (2020) e O Amor em breve anatomia das horas (2021). Organizou, com Amanda Reis, a antologia de poetas sergipanas Passos da pedra ao mar. Já publicou em revistas e portais como toró editorial, Jornal Rascunho, Portal Não Me Kahlo, Ruído Manifesto e A estranhamente. O que te inspirou a começar a escrever? Escrevo desde adolescente. A escrita pra mim sempre foi um encontro comigo mesmo e com o que sou capaz de fazer, especialmente em um momento completo como esse de transição para a vida adulta. Durante algum tempo, entre meus 18 e 24 anos parei de escrever por completo pois achava que jamais seria tão genial como escritores renomados e, naquela época, enxergava a escrita como essa espécie de dom que você tem ou não tem. Retornei a esse processo de escrita ali pelos 25 anos, inspirada por mulheres escritoras contemporâneas. Acompanhar o trabalho dessas mulheres me fez enxergar a escrita como algo possível e real, acessível a todas as pessoas enquanto fruto de estudo e prática. O que você faz quando percebe que está com bloqueio para novas poesias? Insisto na escrita pois acredito que qualquer resultado vem por meio da prática. Embora diversos fatores possam contribuir para um “bloqueio”, como cansaço, preocupação, insegurança etc., acredito que se permitir escrever apenas quando “bate a inspiração” limita o próprio processo criativo a um fator externo que estaria fora do nosso controle. Temos que dominar nossa escrita, entendê-la, estar com ela quanto estamos bem ou não. A palavra pode ser nossa melhor companhia. Seu maior sonho como escritor(a)? Conexão. Acredito que já realizei esse sonho por meio dos meus leitores. A cada retorno que recebo de alguém que se identificou com minhas palavras, sinto que minha escrita cumpriu sua função de ser abrigo para alguém. Assunto preferido de escrever? Confesso que não tenho um assunto preferido. Gosto de variar temas e, com isso, diversificar métodos da escrita poética. Um elogio para sua própria escrita? Mergulho Já publicou algum livro? Quais? Caso não, tem planos? Meu primeiro livro de prosa poética, Síndromes, foi publicado de forma independente e digital e pode ser obtido gratuitamente aqui. Posteriormente, publiquei dois livros físicos de poesia pela Editora Penalux: As coisas andam meio desalmadas (2020) e O Amor em breve anatomia das horas (2021). Publiquei também uma zine digital gratuita, Na tua boca estrangeira, que pode ser baixada aqui. E organizei, em 2021, a antologia de poetas sergipanas contemporâneas Passos da pedra ao mar. Quais inspirações do cotidiano despertam sua escrita? De tudo um pouco. Gosto muito de observar os pequenos momentos, tanto meus quanto de outras pessoas, pois acho que cabe muito sentimento naquilo que é simples. Qual dos seus poemas mais te define? Acho que cada poema me define um pouco. Fui muito impactada por uma fala de Audre Lorde, que está no livro Irmã Outsider, onde ela explica a poesia como uma forma de dar nome àquilo que nem sequer sabíamos que tínhamos dentro de nós. Esse processo acontece muito comigo, de me reconhecer no resultado de um poema. Qual a parte mais fácil e mais difícil da escrita para você? Para mim, essas partes são complementares. A parte mais difícil é a reescrita dos poemas. Revisitar e refazer versos para escrever um poema melhor. A parte mais fácil é o início de tudo, sentir a primeira palavra, a primeira forma, a primeira escrita do poema. Qual sua obra favorita de outro autor(a)? Não consigo definir uma obra específica, mas os livros da escritora mineira Mell Renault sempre me encantam. Um livro de Thainá Carvalho Nome da obra? O Amor em breve anatomia das horas Quando e em qual editora foi publicada? Publicado em 2021, pela Editora Penalux Existe um tema central nos seus poemas/poesias? Qual? A obra conta a história de amor de uma vida em um período de um dia. Nesse contexto, os poemas falam sobre o amor no cotidiano de um casal, ao longo de sua vida. As poesias são divididas em fases nessa obra? Se sim, o que te motivou a fazer isso? O Amor em breve anatomia das horas se divide em cinco partes: noite, madrugada, manhã, meio-dia e fim de tarde. São cinquenta poesias que se espalham ao longo dos períodos de um dia para contar essa história de amor de uma vida inteira. Essa divisão foi pensada para mostrar como o amor relativiza o tempo. Quando amamos, o tempo parece passar rápido demais ou cada momento pequeno se demora com a gente para sempre. Quis usar a poesia e forma de organização dos poemas para dissecar esses sentimentos, essas sensações paradoxais que se complementam. O que te incentivou a escrever esse livro? Ainda não tinha me dedicado de forma mais intensa à escrita de poemas de amor, de forma que quis mergulhar nessa temática e achei que a melhor forma de fazer isso seria me dedicar a um projeto de livro. É possível destacar uma poesia que mais se assemelha a seu cotidiano? O poema História de uma casa, pois acabo me mudando com certa frequência. Transcrevo abaixo: História de uma casa É preciso abrir as janelasmolhar de luzas pálpebras e as esperas. É preciso abrir os espaçosesvaziar os quartose as cantigas das estantes– vida que fluirio enchente vazante. É preciso abrir céu nas paredese toque nos corpos d’águapara alimentar um interior de concreto– a arquitetura empoeirada do ser. É preciso abrir as tempestades nas gavetas e nos armáriosdeixar que chovainundação de siem todas as quinascheiro de siem todos os canos deixar um sentir qualquer na casa dos outros. A sequência dos poemas conta alguma história? Sim. Como expliquei anteriormente, acerca das divisões do livro, elas trabalham o tempo de um relacionamento amoroso do início ao fim da vida do casal. Existe algum posicionamento político ou cultural na obra? Temas políticos específicos não foram abordados, mas penso na história do livro como uma demonstração de resistência no amor. Resistir no amor é uma escolha política. Qual a relevância dos personagens implícitos/explícitos da obra? São duas personagens de fácil identificação para quem já se viu em uma situação de paixão e amor. Acredito que elas permitem uma conexão intensa com o leitor. Qual a poesia mais marcante desse livro? Acredito que seja a poesia que dá nome ao livro, que transcrevo abaixo: Distância Tenho que lhe contardos minutos lagarteando ao sol,eram pequenos e brevese verdesbrilho mágico de amansar incertezasna calma do ficarsó ficare perceber a expansão do mundono abraço de dois seresno sorriso fruto escorrendo pela bocapara se plantar no chão, nas pedrasonde quedam os segundostomando luz.Tenho que lhe contardo que vejo, sendo tudo seus olhospois longe é muito longe sem vocêe arremedo seu pensar e seu dizer:– esse tempo se iluminando assimé coisa da sua cabeçaque adoro.E você ri daí mesmo, eu seipreenchendo a superfície que se estende entre nós,seu colo quente tocando miudezas no meu cabeloenquanto observamos o dia e o amorem passagem anatômica das horas. A