A chegada do homem na Lua


Nosso amigo e parceiro de invenções e versos, o escritor, poeta e homem de muitas artes Braulio Tavares, chega na Revista Kuruma’tá 50 anos depois que o homem pisou na lua, e esse é o tema de sua bela crônica!

Seja bem-vindo, Braulio! Que esse seja o primeiro de muitos outros textos!

Texto de Braulio Tavares


Há cerca de cinquenta anos os astronautas do projeto Apollo 11 desembarcaram na Lua.

Naquele tempo eu lia muito mais ficção científica do que hoje, proporcionalmente. Não no volume total de páginas, mas porque eu lia qualquer coisa de FC que me aparecesse pela frente (era pouco, o que aparecia). Hoje eu me dou ao luxo de ler somente o que parece prestar. (Fora as leituras profissionais, obrigatórias.)

A imprensa cobria o Projeto Apollo diariamente. Eu ainda não tinha o hábito (que só veio bem depois) de ler os jornais do Rio e São Paulo. Mas lia as revistas, principalmente revistas recentes como Veja e Realidade, que meu pai sempre comprava.

Foi numa delas que recebi minha primeira grande decepção: um perfil de Neil Armstrong, o chefe da missão lunar, escrito pela jornalista Oriana Fallaci.

Ora, eu via com olhos deslumbrados a condição de ser O Primeiro Ser Humano A Pisar Noutro Planeta. Para mim (eu tinha 19 anos incompletos) isso era uma glória maior do que ser Sócrates, Leonardo da Vinci, Napoleão, o Papa e Bob Dylan, tudo junto.

Contaminado pela FC poética de Ray Bradbury (que na época era meu autor preferido), eu ficava imaginando os sonhos e as visões que estariam passando pela mente daquele astronauta destinado a ser O Sujeito Mais Importante Do Mundo.

O texto de Oriana Fallaci foi aquilo que os jornalistas chamam de “uma ducha fria no meu entusiasmo”. Armstrong era um técnico, um mero piloto. Um sujeito de absoluta e burocrática eficiência, sem um pingo de poesia, um pingo de imaginação. Parecia esses jogadores de futebol de hoje, que dizem: “Estou bem preparado, me dedicando aos treinamentos com afinco, e estou pronto para dar o meu melhor a fim de conquistar o nosso objetivo”.

Um sujeito assim vai pisar na Lua!! Cadê a poesia?

Não me saía da cabeça (como não sai até hoje) a canção “Lunik 9” (1967) de Gilberto Gil, para mim o hino da conquista da Lua:

Poetas, seresteiros, namorados, correi!
É chegada a hora de escrever e cantar
talvez as derradeiras noites de luar.

Momento histórico, simples resultado
do desenvolvimento da ciência viva…
Afirmação do homem, normal, gradativa,
sobre o universo natural, sei lá que mais!

Ah, sim… Os místicos também
profetizando em tudo o fim do mundo
e em tudo o início dos tempos do além…
Em cada consciência, em todos os confins,
da nova guerra ouvem-se os clarins…

Guerra diferente das tradicionais
guerra de astronautas nos espaços siderais!
E tudo isso em meio às discussões,
muitos palpites, mil opiniões…

Um fato só já existe, que ninguém pode negar:
7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, já!
Lá se foi o homem conquistar os mundos, lá se foi!
Lá se foi buscando a esperança que aqui já se foi…
Nos jornais, manchetes, sensação,
reportagens, fotos, conclusão:
a Lua foi alcançada afinal…
Muito bem! Confesso que estou contente também.

A mim me resta disso tudo uma tristeza só:
talvez não tenha mais luar
pra clarear minha canção…
O que será do verso, sem luar?
O que será do mar, da flor, do violão?
Tenho pensado tanto… mas nem sei…

Poetas, seresteiros, namorados, correi!
É chegada a hora de escrever e cantar
talvez as derradeiras noites de luar…

Gil por um lado, Oriana Fallaci pelo outro, e a influência bradburyana foi se atenuando. A chegada do homem à Lua não era uma viagem psicodélica. Era uma façanha tecnológica, e dificilmente seria colocada a cargo de um poeta. Pilotar a Apollo não era tarefa para um lírico-pop-surrealista como Bob Dylan, e sim para (guardadas as proporções) um sujeito concentrado e meio sensaborão tipo Michael Schumacher.

O mais interessante de tudo é que acabei não vendo a descida do módulo lunar. A façanha aconteceu num domingo, 20 de julho de 1969, e justamente nesse dia a banda em que eu tocava, Os Sebomatos, estava se apresentando no Recife. Quando a nave pousou, estávamos no lugar menos indicado para assistir TV: no palco de uma estação de TV, tocando no programa “Dimensão Jovem” do Canal 6 do Recife.

À noite, estávamos tocando numa boate de Boa Viagem, se não me falha a memória chamava-se “Gatoca”, e tínhamos sido convidados para dividir o palco com uma banda recifense de quem ficamos amigos, Os Moderatos. Lembro que a certa altura alguém subiu no palco e bradou que um homem tinha acabado de pisar no chão da Lua, e como não sabíamos tocar “Lunik 9” atacamos imediatamente de “Ob-La-Di, Ob-La-Da” – como diria um jornalista, “levando o público ao delírio”.

Era 1969, era o Brasil da ditadura, o Brasil do AI-5, o Brasil do general Costa e Silva e da Junta Militar EMA (Exército, Marinha e Aeronáutica) que logo ocuparia a presidência da República.

Todas as vezes que íamos de ônibus para o Recife tínhamos que parar no posto da Polícia Rodoviária, descer, mostrar documentos, explicar quem éramos e para onde íamos, e ver um policial checando uma lista de nomes datilografados para ver se figurávamos ali. Claro que não – mas eu olhava a folha e mesmo de-cabeça-para-baixo dava para ver os nomes de líderes estudantis que todos nós conhecíamos.

A Lua? Continuou brilhando como sempre, para os poetas, seresteiros e namorados.


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E quem quiser ler mais artigos do Braulio Tavares, recomendamos seu blog Mundo Fantasmo, que reúne seus textos publicado desde março de 2003!

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