Em tempos de Coronavírus…

Texto de Eduardo Maciel


Mesmo não sendo o meu momento quinzenal aqui com vocês, kurumateiros queridos, resolvi escrever sobre o tanto que a poesia (e os sonetos) podem fazer bem à saúde tanto para enfermos quanto para a prevenção de doenças em pessoas sãs, e como a leitura de versos alimenta nossas almas deixando para o leitor uma sensação de bem-estar que perdura, e que por fim proporciona maior qualidade de vida.

Principalmente durante esse frenesi do coronavírus.

De fato, como já bem pontuou o médico sanitarista e escritor Moacyr Scliar, “não é de se admirar que a leitura tenha se tornado um recurso terapêutico ao longo dos tempos”.

E com Moacyr fazem coro o meio científico, pesquisas relacionadas a tratamentos de saúde não convencionais, estatísticas e relatos pessoais de pacientes de várias matizes de enfermidades. A literatura, sobretudo a poética, performa mesmo um papel de apoio à cura de doenças.

O dramaturgo e poeta modernista americano William Carlos Williams (1883/1963) já atestara que: “É difícil / Extrair novidades de poemas / No entanto, pessoas morrem miseravelmente / pela falta daquilo que ali se encontra”

Desses versos se depura uma observação empírica do autor: a de que os tratamentos convencionais da medicina tem seu potencial de cura aumentado caso associados à leitura poética.

E nesse contexto se destacam os sonetos, que, pelo seu tamanho reduzido e sua rima cadenciada, acabam sendo de mais fácil absorção pelos enfermos, que sem se deixarem sucumbir a um eventual tédio, logo chegam à conclusão lírica intrínseca aos sonetos.

Mas o que será que de fato existe, nos sonetos, nos poemas e na literatura em geral que possa ajudar a manter as pessoas vivas e auxiliar os tratamentos para a cura de doenças?

Bem, as próprias palavras em si já são um primeiro elemento para a resposta: desde os longínquos tempos da Grécia Antiga já se considerava o poder medicinal das palavras para mentes sofredoras. E isso não é apenas uma figura de linguagem não, leitores queridos. Há documentos relatando que, no século 1 d.C., o médico romano Soranus prescrevia poemas e peças teatrais para seus pacientes em tratamento. Ao ouvir ou ler os poemas, os pacientes se sentem emocionalmente amparados, e isso tem uma influência direta em todos os prognósticos médicos para as doenças em geral e sua evolução física nos pacientes.

Não me surpreende, portanto, que a leitura tenha se transformado em recurso terapêutico ao longo dos tempos. No primeiro manicômio dos Estados Unidos, o Pennsylvania Hospital (fundado em 1751 por Benjamin Franklin), na Filadélfia, os pacientes não apenas liam como escreviam e publicavam seus textos num jornal muito sugestivamente chamado The Illuminator (“O Iluminador”, em inglês). Nos anos 60 e 70 do século 20, o termo “biblioterapia” passou a designar essas atividades. Logo surgiu a “poematerapia”, desenvolvida em instituições como o Instituto de Terapia Poética de Los Angeles, no estado americano da Califórnia. Aliás, nos Estados Unidos existe até uma Associação Nacional pela Terapia Poética.

Ademais, a literatura poética pode colaborar para a própria formação médica. Muitas escolas de medicina pelo mundo, inclusive no Brasil, estão incluindo no currículo a disciplina Medicina e Literatura. Através de textos como “A Morte de Ivan Illich”, do escritor russo Léon Tolstoi (em que o personagem sofre de câncer), “A Montanha Mágica”, do alemão Thomas Mann (que fala sobre a tuberculose) e “O Alienista”, do grande mestre brasileiro Machado de Assis (uma sátira às instituições mentais do século 19), os alunos tomam conhecimento da dimensão humana da doença. E assim, mesmo que muitas vezes indiretamente, a literatura passa a ajudar pacientes de todas as idades.

E os benefícios da soneto-terapia não param por aí. Lembram que mencionei a questão da qualidade de vida no início do texto? Pois bem: foi feito um estudo na Universidade de Liverpool, na Inglaterra, elaborado por Philip Davis, de onde se depreende:

“[…] ler poesia é mais útil e eficaz em tratamentos do que livros de auto-ajuda […]” (p. 36).

As formas e métricas dos sonetos, as rimas cadenciais e a sonoridade de seus versos fazem com que o cérebro se alivie, alimentando a alma.

Nesse sentido, cabe citar:

“A poesia incendeia a alma com chama ardente, quente, porém deliciosa. É capaz de transformar coração contrito em pura euforia, de fato, a poesia é remédio até para curar paixão não correspondida, quiçá tristeza descontínua, contínua, com ou sem motivo. Sou a prova viva de que essa belezura, criada pelo Divino, transmuta e muda a gente por inteiro. Quando iniciei meus devaneios pela Literatura, encontrei-me no mundo e a dor profunda do meu peito foi-se embora e seu rastro, por mim, fora transformado em linhas cursivas, claramente, em poesia de aurora. Portanto, percebo que muitos autores contemporâneos, assim como eu, escrevem como fuga de si mesmos, e acabam se encontrando nas letras, rimas e enredos, além de ter e ver a escrita como espelho da alma. Logo, a poesia atual é sem fronteiras e sem rasuras, há lugar e espaço para todos, excepcionalmente para o leitor e o seu deleite”.

Priscila Goes é graduada em Letras – Língua Portuguesa e respectivas Literaturas, pela Universidade Católica do Salvador.

Ou seja: ora para efeitos curativos em tratamentos médicos, ora para conforto e saúde emocional, ou mesmo durante tempos de quarentena preventiva, os poemas e os sonetos se erguem como alternativa para incremento de qualidade de vida, o que afeta diretamente e positivamente a própria longevidade do ser humano. Primeiro, porque a poesia comunica com a alma. Depois, porque ela não precisa ser entendida. Poesia é para ser sentida, degustada como um bom vinho, como os perfumes que nos levam aos céus. Não é preciso ser químico para saber dos elementos que compõem as estruturas do aroma. Basta apreciar.

Apreciem, portanto, a leitura poética. Apreciem e apliquem como remédio. Na dosagem máxima. Em overdose. E sem medo. Não mata.