A peleja de Zé Limeira e Orlando Tejo

Textos de Aderaldo Luciano e Toinho Castro


Eu me chamo Zé Limeira
de Lima Limão Limança;
a estrada de São Bento
bezerro de vaca mansa…
Valha-me Nossa Senhora,
tão bombardeando a França!

O blog Kuruma’tá abre suas portas com um dueto de Aderaldo Luciano e Toinho Castro sobre um livro em que tudo é lenda: Zé Limeira, o poeta do absurdo, do poeta e jornalista Orlando Tejo, paraibano de Campina Grande. Um livro que em suas páginas cristaliza a história de Zé Limeira, cantador nascido no município de Teixeira, no Sertão da Paraíba, cuja poética transcende as amarras, as convenções em que se meteu o verso.


Há quem veja no livro de Tejo uma biografia pra lá de romanceada do poeta alucinado de Teixeira. Há quem diga que os versos compilados por Tejo e atribuídos a Limeira sejam do próprio biógrafo, num arroubo de suprir lacunas e dar uma dimensão da loucura e ousadia de Limeira. Há mesmo quem diga que Zé Limeira não existiu e que se trata da grande invenção de Orlando Tejo. Essa última hipótese é improvável, pois há registros e testemunhos da presença do negro cantador, filho do sítio Tauá.

De qualquer maneira o livro está suficientemente mergulhado em histórias e lendas. Quase em adivinhações e conjuros. Leitura obrigatória, o livro anda fora de catálogo, mas há de haver, por aí, planos de trazê-lo à tona.

Kuruma’tá chama agora o poeta Aderaldo Luciano, que traz seu texto chamando a atenção para importante data na cronologia do Poeta do Absurdo!

Em seguida Toinho Castro entra ciranda do absurdo com um relato que envereda por sebos, sites e vielas em busca do Graal de Limeira.


Zé Limeira, o poeta do absurdo

Por Aderaldo Luciano

O ano de 2019 será repleto de glórias para a cultura paraibana. A celebração do centenário de de Jackson do Pandeiro, os 105 anos de Manuel D’Almeida Filho, e, nas mesmas importâncias: os 65 anos de morte de Zé Limeira, recantado no livro Zé Limeira, O Poeta do Absurdo, do poeta Orlando Tejo.

Entrei em contato com Zé Limeira por volta de 1975 quando encontrei na Biblioteca do Centro Social Pio XII, em Areia, na Paraíba do Norte, a terceira edição do famoso livro. Eu tinha então 11 anos e li-o no decorrer de 3 tardes. Foi decisivo para mim, acho mesmo que esse livro salvou-me a vida.

Os versos apresentados por Orlando Tejo, mesmo que não tenham saído do canto de Zé Limeira, como dizem alguns, mostraram-me uma possibilidade além do mundo poético que eu conhecia até ali. As imagens complicadas, surrealistas na maioria das vezes, careciam de leitura ritmada e melódica.

Como já conhecia o universo musical das modalidades da cantoria, fui lendo com os olhos e cantando mentalmente. Aquele exercício foi um bálsamo para minha cabeça rebelde. Como todos os poetas que se encontraram com o Poeta do Absurdo, no livro, fui imediatamente alçado à categoria de imitador.

O tempo já vai longe. Na semana passada, fazendo a limpeza de minha biblioteca encontrei dois exemplares do livro: a terceira e a quarta edições. A terceira (de 1974) tem ilustrações e capa de Deodato Borges, o pai de Mike Deodato, ilustrador de quadrinhos da Marvel. A quarta (de 1978) traz capa de Tônio e ilustrações de Chico Pereira.

O livro, assim como o poeta e o autor, tornaram-se mitos. Todas as 11 edições esgotadas. Gente correndo atrás. Em conversa com Karla Melo, editora da Confraria do Vento, do Rio de Janeiro, casa que detêm os direitos autorais, fomos informados que já se prepara uma 12a. edição.

Foi Egeu Laus quem alertou-me para essa efeméride. Esperamos que não passe em lacuna. Para quem não sabe do que se trata vou linkar nos comentários o documentário O Homem Que Viu Zé Limeira, uma abordagem da TV Senado, falando do autor do livro, Orlando Tejo, e do seu objeto, Zé Limeira — O Poeta do Absurdo.

Como foi noticiado, aos 64 anos de morte de Zé Limeira, no ano passado, Orlando Tejo, seu biógrafo-poeta, partiu ao encontro do mestre poeta pelos labirintos da linguagem, nas modalidades poéticas da cantoria nordestina. Orlando cantou, em julho de 2018, os versos enigmáticos e proféticos de A Pavoa Devoradora. Como Limeira, partiu em suas asas.


E a história de Toinho Castro, que deu seu raro exemplar do Poeta do Absurdo para um primo querido, com certeza de que logo encontraria outro volume nos muitos sebos do Brasil. Ledo engano.

Do livro existido, emprestado, sumido e encontrado

Por Toinho Castro

Cantador pra cantar com Limeirinha
É preciso ser muito envernizado,
Ter um taco de chifre de veado
E saber decorado a ladainha,
Ter guardado uma pena de andorinha,
Condenar pra sempre o carnaval,
Guardar terra de fundo de quintal
E é preciso engrossar o pau da venta,
Beber leite de peito de jumenta,
Ediceta, pei-bufo, coisa e tal!

Recebi aqui no Rio de Janeiro a visita do primo de Natal, por parte de mãe, família de poetas, cantores, artistas em geral. Anos com as distâncias entre nós, o reencontro foi regado pelos versos descabidos e elaborados de Zé Limeira, nas páginas do livro já quase sagrado de Tejo. Esse livro, O poeta do absurdo, fez parte da nossa juventude; nos divertia e impressionava. Queríamos ser capazes daquela dimensão.

Na partida do primo querido, Wellington, como o pai, presenteei-lhe de coração com meu próprio exemplar do livro, uma edição então mais recente, da editora Caliban. Eu tinha a fé iludida de que facilmente o reencontraria nos sebos da vida. Pois que o primo foi-se e fiquei eu ver navios, tendo dos versos de Zé Limeira e da Ousadia de Orlando Tejo, apenas o que trazia de memória. O danado do livro simplesmente não existia mais. Um livro desaparecido das prateleiras.

Olhe, foram anos pelejando nos sebos e na internet em busca desse livro, que só me apareceu uma única vez, por audaciosos 300 reais, num dos sebos que vendem pelo site Estante Virtual. Naturalmente deixei passar. Mas taí uma busca que só não foi mas vã porque a cada ida num sebo, a cada visita aos sites, eu acabava achando outro livro que trazia alegria a minha tímida biblioteca. Mas o absurdo de Limeira que é bom, nada!

Mas os anos de busca inglória acabaram por findar quando entre, por acaso, num sebo aqui do centro do Rio e perguntei distraidamente e sem qualquer esperança:

— Moço, eu sei que não, mas o senhor não teria aí o livro Zé Limeira – O poeta do absurdo, de Orlando Tejo?

Tão distraidamente quanto eu ele me respondeu que sim. Retornou dos labirintos do sebo com o exemplar em mãos, o Graal, pelo qual paguei deliciosos 30 reais. Paguei em dinheiro e saí dali fugido,embaralhando meus rastros pelas vielas.

Ao chegar num canto sossegado pude apreciá-lo e ainda descobri uma dedicatória misteriosa. Gosto de especular sobre ela.

A dedicatória misteriosa. Alguma ideia sobre quem ou o que seja o “Vento Leste”?

Veja também o filme produzido pela TV Senado, O homem que viu Zé Limeira