Uma pausa para Augusto dos Anjos Revista Kuruma'tá, 1 de março de 201930 de dezembro de 2019 Texto de Aderaldo Luciano Já era a terceira ou quarta vez que Augusto dos Anjos falava sobre o mesmo assunto com o Presidente João Machado. Augusto se sentia preso, ilhado na Paraíba, enquanto a vida literária se desdobrava ávida na capital do país, o Rio de Janeiro. Todos os amigos haviam partido, inclusive Órris Soares, a quem tanto se apegara. Tentava jogar a última carta no diálogo com o Presidente. Esperava lograr êxito e partir tranquilo, com um pouco de dinheiro e a esperança de encontrar Santos Neto, seu amigo e incentivador. Por conta de arranjos políticos, sua família se determinara a apoiar o nome de João Machado para presidente do estado da Paraíba, indicado que foi pelo chefe maior, o major Álvaro Machado, do Brejo de Areia, oligarca e mandatário. Como se diz hoje em dia: o Chefão. Aliás, sobre ele podemos dizer duas coisas: ao mesmo tempo em que criou A União, o jornal mais longevo do estado, fez vistas grossas quando a polícia incendiou e empastelou as oficinas e escritórios dos jornais O Combate (dos irmãos Oscar e Órris Soares) e O Comércio, alguns anos antes, em 1904, quando era ele o presidente. Mas voltemos ao caso de Augusto. Muito bem, o poeta raquítico saúda o presidente e, pisando em ovos, começa novamente aquela conversa. Estava ele como professor substituto no Liceu Paraibano, tinha como aluno um dos filhos do presidente, a família fechara questão em torno do nome do mandatário, o próprio presidente o havia convidado para abrir as celebrações da data da Abolição, no Theatro Santa Rosa. Era flagrante o clima de intimidade entre eles. Saliente-se que o poeta desposara Ester Fialho, filha de Agnelo Cândido Lins Fialho, também do Brejo de Areia. Augusto pensara que estava tudo em casa. E o que queria o poeta? Apenas que o presidente lhe concedesse uma licença com vencimentos, uma pequena garantia, para que lhe fosse possível aquela viagem ao Rio, onde pudesse apresentar seus poemas, encontrar os nomes da literatura de então, conseguir entrar para a história da formação da literatura brasileira e, quem sabe, ser nomeado para a melhor escola do país: o Colégio Pedro II. Não era um sonho impossível e acreditava mesmo que tudo pudesse transcorrer como no sonho, como no desejo. O que ouviu de João Machado foi um peremptório “NÃO!” E mais: um “RETIRE-SE!”. Segundo a cunhada, Irene Fialho, fora: “Ora, Dos Anjos, não me amole mais!”. O suficiente para a ficha cair por dentro do cofre da compreensão e as tripas requererem uma urgente tomada de decisão. E foi assim que o Poeta Superior da Paraíba chegou em casa mais pálido do que já era, trêmulo e desiludido, e disse para a esposa: “Vamos para o Rio. Nunca mais porei o pé na Paraíba!” Dito e feito.Já no Rio, vivendo as agruras de sua decisão, morava em pensões e se revirava para dar aulas particulares aqui e ali, como diz Agripino Grieco: “revejo aquela singular figura, qual a vi em 1912, nas vizinhanças da Muda da Tijuca, onde o pobre Augusto ia, premido pela necessidade, dar lições a uma família abastada do bairro.” Augusto escreve para a mãe, relembrando o rompante de João Machado: ”O procedimento do João Machado foi aqui muito censurado, sendo louvado com os panegíricos mais veementes meu ato de reação contra a diatribe do Joque.” Joque era o apelido de guerra do presidente. Mas a cartinha de Augusto não fica só nessa oração. Diz mais: “Todos os políticos dessa terra me tem prometido emprego. Não sei se o fazem por delicadeza convencional do momento, ou se movidos pelo intuito sincero de me prestarem reais benefícios.” Ingênuo poeta. Inocente Augusto. Não entendia ainda que esse mundo da política provinciana é um eterno rio de malquerenças. Nenhum deles, jamais, lhe conseguiria qualquer ocupação, qualquer emprego, qualquer trabalho. A cartinha cita o nome dos políticos de então: “Tais indivíduo se chamam: Valfredo Leal, Simeão Leal, Seráfico da Nóbrega, Castro Pinto e outros da mesma espécie.” Acredito que os nomes de Valfredo Leal e Simeão Leal sejam nossos conhecidos. Mas, enfim, que é do poeta? Sofre, desterrado, entre seus conterrâneos. Sem dinheiro e vivendo dificultosamente, vê sua esposa perder o primeiro filho e sente seus problemas de saúde se agravarem. José Oiticica descreve o seu estado como o de “penúria”. O irmão Odilon salva-lhe a posteridade arcando com as despesas do “EU”. E os seus, aqueles que tanto lhe prometeram? Desapareceram. O resto da história todos vocês já conhecem. João Machado, Álvaro Machado, Valfredo Leal, Simeão Leal, Seráfico Nóbrega não passam de uma nota de pé de página da história e, para alguns nascidos nas terras do Brejo de Areia, na Paraíba do Norte, “nomes ilustres”. Pois bem, o Poeta Maldito, o sofredor, não pôde ver o que aconteceu depois: sua poética revirando as tripas do mundo da crítica nacional, seus versos declamados na boca do povo, seu nome salvaguardando toda a posteridade, inclusive os poetas desinteressantíssimos de hoje e de amanhã. Lembrete: para a escrita desse texto foi tomado como base o livro Augusto dos Anjos – Obra Completa, da editora Nova Aguillar, de 1995, com organização e fixação do texto e notas por Alexei Bueno. Inclusive a fotografia dos poemas e da iconografia. Texto de Aderaldo Luciano A Augusto dos AnjosHistóriaNordesteParaíbaPoesiaPolítica
Como o tempo é justo! Assim o foi com a imortalidade de Augusto dos Anjos e o ofuscamento dos “chefões” da época! Assim é a História! Obrigada pelo texto, Aderaldo. Li parecendo que você estava falando numa roda de conversa. Abraço! Responder
Hoje nós temos nas grandes cidades vários “Augustos dos Anjos” com estudos e capacidades que são violentados pelos poderosos que mentem e diminuem seus valores, tornando-os zumbis e fazendo-os acreditarem que não são valiosos para a sociedade. Responder
Adorei o texto. Augusto dos Anjos é MUITO CARO pra mim. Sua obra me motiva a seguir escrevendo. Para mim, apesar dos flertes com o modernismo (que não me atraem tanto), ele é o maior poeta que o Brasil já teve! Responder