Pegando pesado!

Texto de Toinho Castro


Capa do novíssimo disco Onde há fumaça há fogo, do Faces do Subúrbio

Normalmente eu deixaria um texto assim para o parceiro Jorge LZ, do Programa Na Ponta da Agulha, que tem aqui na Kuruma’tá seu espaço para falar, com muito mais propriedade que eu, sobre as novidades sonoras do país! Mas… aqui o assunto é pessoal e afetivo, cabendo a mim, com alegria, escrever essas linhas que se seguem.

Era dezembro de 2018 e eu estava em casa, de bobeira, a milhas e milhas da Imbiribeira, lá no Recife. Eis que o zap blipa e é o parceiro Oni Silva, conectando lá da Cidade Maurícia para propor o irrecusável: escrever o texto sobre o novo disco que o pioneiro Faces do Subúrbio, grupo do qual é guitarrista, estava para lançar, batizado de Onde há fumaça há fogo. Como disse, tarefa irrecusável. Oni é amigo de longa data, dos tempos do ginasial, palavra essa que se perderá na obsolescência. Começamos a curtir rock’n’roll juntos, trocando uns discos e ideias. Movidos pela sensação da descoberta da melhor música do mundo, das amizades e por saber que a escola era somente algo que a gente tinha que aturar, algo a que precisaríamos sobreviver, escapar.

O tempo nos dirigiu em caminhos distintos e enquanto eu seguia as guitarras como ouvinte fervoroso, Oni empunhou sua própria guitarra, participando do cenário musical que se desenhou na cidade com louvor, até chegar ao peso pesado do Faces do Subúrbio, para trincar as paredes das salas de jantar pernambucanas…

(É nelas, 
mas de costas para o rio, 
que “as grandes famílias espirituais” da cidade 
chocam os ovos gordos 
de sua prosa. 
Na paz redonda das cozinhas, 
ei-las a revolver viciosamente 
seus caldeirões 
de preguiça viscosa).


— Trecho de O Cão sem plumas, de João Cabral de Melo Neto

Somente pela alegria de citar o Faces do Subúrbio e João Cabral no mesmo texto! E pensar que a poesia de Zé Brown se conecta com a de João Cabral por meio da latência do Capibaribe, do humano às suas margens, marginais, excluídos. Seus nomes podem mesmo até rimar num rap, embalados na guitarra sólida do parceiro Oni.

Eu e Oni, habitantes da Imbiribeira, cruzamos nossos caminhos novamente e seguimos honrando a memória rock’n’roll da nossa amizade que começou lá no Colégio Santa Bárbara.

Segue abaixo o que escrevi para essa banda histórica, que segue ela mesma escrevendo uma das grandes páginas da música de Pernambuco e do Brasil.


A primeira pergunta que surge quando a gente bota pra tocar Onde há fumaça há fogo, novíssimo EP do Faces do Subúrbio, é a seguinte: Como é que a gente ficou tanto tempo sem o som poderoso dessa banda? São 13 anos entre o último disco desses mestres do som pesado do Recife, Perito em Rima (2005), e a porrada na porta que se anuncia com essas cinco faixas que chegam aos nossos ouvidos. Mas bom é saber que todo esse tempo serviu para forjar um grande retorno, na hora em que o Brasil precisa dos versos de um poeta como Zé Brown, que escreveu todas as letras, e da sonoridade monstruosa desse pessoal que sabe o que está fazendo. E o que eles fazem, e muito bem, não é só música mas um chamamento à realidade. Nos primeiros versos de Onde há fumaça há fogo, música que abre o EP, Zé Brown já manda: É impressionante a falta de percepção / Século 21 não aprender essa lição.

E o que vem depois disso é lição atrás de lição, de como se faz um disco, de como não se perde o contato com as dores, conflitos e ansiedades da sua gente, de como o subúrbio mostra sua face, mostra a sua voz. Ouvi e ouvi de novo cada música e como quem cresceu nas quebradas do Recife, reconheço essa voz. E se ligue que as quebradas Brasil adentro estão conectadas, interligadas e compartilham suas vozes. Então o Faces do Subúrbio chega falando com geral, com os muitos centros que cada periferia tem. Zé Brown e Samuel Negão nos vocais, as guitarras de Oni e o baixo de Felipe Perez, e ainda Perna na bateria e DJ Beto na pick ups. Esse é o Faces que retorna pegando a gente pela consciência!

O EP abre com a música Onde há fumaça há fogo, que é a abertura perfeita. Chega com força e instrumental de respeito, mostrando que o Faces não é fumaça. É fogo aceso das palavras, e já é aí que a gente se toca da falta que a banda fazia! Em seguida vem a loteria de Atirador. Afiada e certeira, mostra que roleta russa da violência quem atira pode ser sempre a próxima vítima. Traz no meio da corrente sonora uma releitura da música Atirador, de Lula Queiroga, que participa nos vocais.

Aqui no Brasil também morre quem atira
Cuidado pra você não ficar na mira

Mal político é a terceira faixa que manda a real do labirinto sórdido das políticas do país. É quando a gente sente a força do Faces e a capacidade desse pessoal se conectar com a realidade de quem tá na rua. A música conta ainda com a Canibal, do Devotos, nos vocais. É quase como se agente estivesse no bar, na fila do ônibus, discutindo os desmando, sendo bombardeado pelo zap. O Ataque é Sem dó e sem pena, como a própria música fala. É o Faces tomando seu lugar, assumindo sem medo sua devida posição no cenário. Salve, DJ! E o EP encerra com Pinota, trazendo Pedro Ferreira na percussão e Nando Cordel nos vocais. É importante se ligar no que está à sua volta! E o Faces do Subúrbio está ligado, antenado, envolvido até o pescoço com o som pesado, o subúrbio, a poesia das ruas e becos e calçadas. E não pense que acabou. Apenas começou!

Faces do Subúrbio está de volta!


Onde há fumaça há fogo está disponível nas plataformas de streaming!