blues e minotauros | a poesia de bruno gaudêncio

Texto de Toinho Castro


Demoro-me a ler. Não levo jeito pra Tik Tok literário na base de ler 10 livros por semana. Os livros chegam aqui em casa e dormem, esperam. Pego um e leio. Largo, e pego outro. Leio pulando poças. Não me obrigo. E quando leio é com amor. Com carinho. E demoro-me nas páginas, perco tempo com elas. Alguns me corrigiriam: Perda, não! Investimento! Mas pra mim, leitura não é investimento. Leitura é perder-se mesmo. Leio pra me perder no livro. As lições que tiro de um livro é o próprio livro, sua leitura.

Dito isto… no ano passado recebi pelo generoso carteiro que sempre me traz livros, um exemplar do livro de poemas blues e minotauros, do amigo, escritor e poeta paraibano Bruno Gaudêncio, com belas ilustrações de Felipe Stefani. Ao longo desses visitei e revisitei suas páginas, idas e vindas encantado com os versos que Gaudêncio reuniu nesse volume azul. E hoje escrevo um tanto sobre ele, tardiamente, talvez. Mas creio que sempre seja bom trazer à tona um bom livro. E blues e minotauros está de categoria de belíssimo livro de poesia. O que não é fácil, nem simples, de se conseguir.

Gaudêncio escreve com o amor dos que escrevem com amor. No prefácio, Henrique Rodrigues aponta a versatilidade do escritor, que vai da prosa ao ensaio aos quadrinhos e à poesia. E é na poesia que o encontro, onde escreve um poema sobre o ato de não escrever um poema. Assim abre-se essa porta que se fecha atrás de mim. A porta do labirinto. Não é à toa a imagem do Minotauro. Não é à toa no plural… essa velada ameaça que há mais de um Minotauro solto por aí. Quanto à imagem da capa, que nos remete a um labirinto geométrico, é enganosa. As ilustrações que acompanham as poesia, se formam em orgânicos labirintos de linhas. Se eu puxar uma linha desmancharei o labirinto?

A poesia de Gaudêncio é o que encontramos caligrafada nas paredes, algo deixado ali por alguém que quis falar aos que transitam nessa senda, de dias e noites alternados, que é a vida. Viver significa deixar ruínas, escreve o poeta. Será a poesia a ruína de mundos anteriores, ou a vida que reina nessa ruína e reconstrói o mundo? Que coisa boa é ler e se encher dessas percepções, derivas, indagações. Essa poesia do labirinto é feita de marcações, passos na areia ou notas na pauta. Sendo assim, talvez funcione como um mapa. Dizem que se você sempre virar à esquerda num labirinto, chegará ao seu centro. E lá, talvez, encontremos o Minotauro com a guitarra de Robert Johnson a murmurar um Blues, a loa que estávamos ouvindo desde a primeira página imantada desse livro.

Naturalmente isso não é uma crítica literária, mas o relato do encontro de um leitor com um livro, com um poeta, na bruma desses dias. Na dedicatória, ele escreveu: Para o amigo Toinho Castro, estes labirintos. Porque o poeta sabe que no labirintos já estamos e é neles que damos uns com os outros. A poesia é fio de Ariadne, Gaudêncio também o sabe e deixa seu traçado para nós. Não para acharmos a saída, mas para nos perdemos ainda mais, adentramos ainda mais a linguagem.

Ao ler blues e minotauros, não tenha pressa.

blues e minotauros é um livro da Editora Leve