Juazeiro na Califórnia – Oito poemas de Márcio Fabiano Revista Kuruma'tá, 25 de julho de 201926 de março de 2020 Poemas de Márcio Fabiano Dizer que o baiano de Juazeiro, Márcio Fabiano, é publicitário é dizer muito pouco. Mas é um bom começo. Amigos de muitos anos, mas não o suficiente que nos torne velhos. Ou melhor, que sejamos velhos, na melhor acepção da palavra! E com isso velhos amigos nos define bem. Há tempos venho pedindo a Márcio, poeta temporão e safadinho, como ele mesmo diz, uma colaboração (ou muitas!) para a Revista Kuruma’tá. E eis que ele me envia esses poemas de sua lavra, escritos, olhe só, na Califórnia. Comecei a escrever antes de ir ver o mundo. Na Califórnia, solitário, iniciei minha obsessão por saudades. As paixões renderam rimas e imagens. Mas não são cupidos eficientes. Continuo solteiro. A Kuruma’tá é um espaço de amizades e afetos, sempre, e receber Márcio Fabiano e sua poesia é privilégio e alegria. Que seja esta a primeira de muitas presença do poeta na nossa revista. Seja bem-vindo à Kuruma’tá, Márcio!Toinho Castro[Editor] Fotos de Lara Bonfim Braga O GERENTE COM A GRAVATA DO GARFIELD Eu nunca vou parir os filhos do gerente com a gravata do GarfieldNunca vou pôr a mesa para ele jantar nem visitar sua mãe no domingo à noite.Eu nunca vou convidá-lo para ver um filme com final feliz e nem vou rever o que poderia ser nosso álbum de casamento e ouví-lo repetir que eu estava linda.Nem vou levar a cerveja para ele beber enquanto assiste o jogo na TVE nunca vou estar ao seu lado no carro, janelas abertas e o vento como testemunha dos meus dedos em sua nuca.A nuca do gerente com a gravata do GarfieldEu nunca Não vou voltar de uma festa, longo preto e saltos e, no quarto, despir-me enquanto ele observa.Ele, a fera. Eu, a presa mais feliz do mundo.Não vou sentir o sexo do gerente com a gravata do Garfield, não vou provar seu hálito, nem negar os seus pedidos e vê-lo aumentar sua fúria.Não vou acordar feliz ao seu lado.NuncaNesse sonho eunuco, pela manhã, outras acordarão. POR AÍ Para onde vou nessa agonia?Se abro a porta, sangriaQuando a fecho, fobiaPara onde vou nessa noite esguia?Vejo a pedra, tropeçoEspero a sombra e ela me ultrapassaNão conto medidasNão curo feridasNão busco saídasPara onde vou?Não tenho resposta e soluçoPara onde vou?Apenas a sombra aponta o caminho. SILÊNCIO Eu sonhei que você vinha e não falava nadaPegava na minha mão, apontava o caminho e eu seguia, silenciosoEu sonhei que você vinha e não falava o que queriaPedia com os olhos.Silencioso, eu atendiacedia com mais forçaeu gemiaApós o fastio, você dormiaE, sem palavras, eu te guardava:– Dorme, amor, dorme!E, quando acordar, silencia.Eu estou sonhando. ANIVERSÁRIO Bebi, bebi, bebi, bebi.feito uma cachorra.Uma louca.Bebi feito uma vagabunda, abrindo os dentes, salivando sua carne.Gastei meu riso.Joguei fora toda minha reputação, riscando as sílabas do início ao fim para mostrar o que realmente sou:— Feliz aniversário, puta!Sem arrependimentos.Eu tenho aspirinas. Nunca entendi vocêQuando estou, ausênciaQuando saio, ardênciaQuando volto, demênciaÉ difícil amar assim SOSLAIO Ele vem, passa e soslaiaEu sigoEle volta e soslaiaEu finjoEle pára e miraEu olho para trásEle passa na minha frente e sentaEu soslaio e sigo. RG Eu nasci sem pulsoFilho do faceiro, neto do gigante, cresci delicadoMeu pai se enroscou nas teias da rede que ele ofereceu à minha mãeEla tentou ser agulha e pôr a teia em ordemA agulha cegou, o novelo caiu e o fio se perdeuEu nasci sem pulso.Perdido, o fio sou eu. OS OLHOS DELE Os olhos dele são compasso.Negros e redondos marcam meu passoNos olhos dele, Íris, eu sou espaço CONTABILIDADE Eu não tenho idadeEu tenho a metade do que viviCom o resto, faço planos para os dias que virãoSem saber que nessa contabilidade cronológica, minhas contas não tem fim nem lógicaSob essa ótica, sou um calendário apagado que, ao marcar os dias, não vê que o tempo já passou A AfetoBahiaEncontrosJuazeiroLeituraMárcio FabianoMemóriaPoesia
Ler poemas inéditos de Márcio Fabiano tanto tempo depois de seu último livro é uma experiência safada ! E nesta safadeza descobrir um poeta mais experimentado, valvulando entre o lírico e o irónico, entre poemas beats e visuais. Que desta verve entre púbis palato córtex – brilhe o coração do poeta na sua plena entrega. Responder