Meu cocar é do Cacique

Texto de Eduardo Maciel


Olá, gente linda! Não tem como: mais uma vez ficarei devendo aquele papo sobre sonetos. Mas vocês entendem, né? Afinal é Carnaval! E nada é capaz de refrear essa força poderosa da cultura brasileira. Nadinha mesmo!

De há muito escuto dizer que o Carnaval aproxima as pessoas, e na minha humilde opinião é essa mesmo a intenção, certo? Particularmente, considerando ao menos uma década, tenho consistentemente me exilado do Rio de Janeiro em busca de carnavais diferentes. Vocês sabem, né? Tumulto, violência, criminalidade, preços altíssimos. Enfim: aquele velho “pacotão carioca”, com ou sem Crivella.

Mas este ano resolvi fazer diferente. Há meses, recebi o convite de uma amiga do meio artístico para ser convidado especial da Ala Cheyenne do Cacique de Ramos, e aceitei gentilmente o convite. Foi uma honra pra mim entrar naquela quadra sagrada, que abriga um patrimônio imaterial do Rio de Janeiro que existe desde 1961 e vem há décadas firmando sua identidade com apoio do povo de Olaria e Ramos, tribos indígenas do Brasil e mesmo da América do Norte. Cacique que é o bloco de rua brasileiro mais famoso no mundo. Cacique assentado sob a tamarindeira, com a bênção dos orixás e das comunidades tradicionais.

Cacique liderado pelo presidente Bira, Ubirajara, que tem em suas veias correndo sangue com ancestralidade indígena. Cacique, uma linda extravagância de talentos e de onde vieram grandes nomes do nosso samba. E pra onde convergem tantos outros, que ainda serão catapultados na direção da relevância.
Sim, porque tudo no Cacique de Ramos trata de relevância.
Me senti tão acolhido como convidado especial, fui tão extremamente bem recebido naquela quadra, naquela ala, que passei a ser componente e a frequentar o grupo. Passei a ir às feijoadas aos domingos, e assim hoje me sinto parte.

Mas ainda que você não queira ser componente de ala nenhuma, ainda assim poderá frequentar gratuitamente a quadra, e aproveitar o que há de melhor na cena do samba. E garanto: será muito bem recebidx, e sairá de lá querendo mais.
Falar sobre o Cacique de Ramos é isso. A recente polêmica sobre questões identitárias (ao menos nesse caso), se torna tão insignificante que o melhor a fazer é ignorar a polêmica. Primeiro porque se algum bloco pode se vestir de índio no Carnaval é esse o bloco, segundo porque se o Cacique deve explicação sobre seu modo de desfilar é ao povo indígena que o apoia. Terceiro porque a questão indígena de verdade está ligada à permissão para se minerar em área demarcada e protegida e aos recentes atos de agressão e morte a representantes de nossos povos nativos.

E qualquer tentativa de aliar um discurso moralista ou identitário às fantasias do bloco nada mais é do que uma tentativa de tirar o foco do que realmente importa. Até porque as fantasias do Cacique de Ramos se parecem mais com as de apaches do que com os nossos povos nativos.

Usamos fantasias indígenas porque temos essa permissão, e o fazemos com a maior das reverências, com o orgulho de quem balança uma bandeira nacional em evento patriótico, com a grandiosidade de quem quer representar – e não emular – um ou mais povos que aqui estavam bem antes de nós.

Acabo de sair do desfile de domingo, de abertura do Carnaval do Cacique, e estou em êxtase. Que energia maravilhosa, quanto respeito pela tradição, quanta tradição pelo respeito! Uma das sensações mais extraordinárias que já senti na vida, principalmente como estreante e convidado especial da Ala Cheyenne. E por isso devo agradecer ao Lério presidente da ala, ao Bira presidente do Cacique e à Alexandra das Trufas do Conhecimento por me fazer o convite. E a todos os cheyennes que me tratam como família sempre.

Polêmica porque usamos cocar com pena? Ah, por favor!
Prestemos mais atenção naqueles que usam, sem pena alguma do povo, nariz de palhaço e suástica nazista debaixo dos nossos narizes. Mesmo quando não é Carnaval.

E amanhã, na terça, vem acompanhar o último desfile do Cacique de Ramos na Avenida Chile, Rio de Janeiro nesse Carnaval. Venha reverenciar conosco as nossas tradições, porque Carnaval é isso! Tradição cultural, e não perseguição ideológica seja de quem for.

E os sonetos? Da quinzena que vem não passa. Prometo.