O Bruxo não para

Texto de Nonato Gurgel


A fortuna crítica de Machado de Assis é extensa e não para de crescer. Hoje mesmo, nas redes sociais, o prof. e poeta Antonio Carlos Secchin cita o 1o vol (1908-1939) da fortuna do Bruxo do Cosme Velho, e apresenta um 2o vol a partir de 1939. Composta de romance, conto, ensaio, teatro, crítica, crônica, jornalismo e poesia, a bibliografia do Bruxo dialoga com as chamadas altas literaturas, com o cânone literário ocidental.

Nesse diálogo com a tradição, Machado aciona intertextos entre a literatura, culturas e outras áreas do saber como a história, a mitologia e a filosofia, sem perder de vista ‘sua excelência’, os fatos, principalmente os fatos sócio-políticos. Munido de múltiplos procedimentos estéticos e culturais como a intertextualidade, a metalinguagem, o corte, o diálogo com o leitor, a paródia e a ironia, Machado antecipa, de certa forma, a linhagem moderna de nossa literatura.

Dentre esses procedimentos modernos, a professora Sônia Grund elege os intertextos como tema do seu livro Intertextualidades em Memórias Póstumas de Brás Cubas: as múltiplas vozes em Machado de Assis. A leitura desse livro se transforma numa espécie de visita a uma minibiblioteca universal, formada pelos autores ingleses, espanhóis, latinos, gregos, italianos, portugueses, franceses e árabes que ecoam nas páginas do Bruxo.

É prazerosa essa viagem polifônica repleta de citações, alusões, epígrafes, traduções e paródias. Ao ler com acuidade esses ‘elementos formadores’ da intertextualidade, Sonia ratifica o lugar central de Machado no nosso cânone. Em tempos nos quais o preconceito e o racismo afloram, é bom lembrar que embora seja composto, em sua grande maioria, por homens brancos, o nosso cânone tem, no seu centro, um autor negro, ‘filho de uma escrava num país onde a escravidão só foi abolida quando ele tinha quase cinquenta anos’.