Para o mundo não acabar

Texto de Toinho Castro


Foto de Nathan Hartley Maas

Da janela olhei para a cidade vazia. Não que eu pudesse ver a cidade, a cidade inteira. você sabe, é modo de dizer. Vi o que me cabe da cidade, o que é bem pouco. Minha rua, Umas árvores, automóveis… esticando a vista via-se o morro e seu intrincado de casas. Um grande silêncio cobria tudo como se fosse uma névoa, apesar do intenso sol das duas tarde. Era uma névoa invisível mas ela estava lá. Parecia um filme do John Carpenter. Você já viu um filme do John Carpenter? Ele está entre os meus professores de amor pelo cinema. É o cara que com um único filme demonstrou que fomos colonizados por extraterrestres bizarros. Chama-se Eles Vivem. E eles vivem mesmo, sabe? Estão aí, entre nós. Sei que parece loucura e por isso John Carpenter é genial. Ele faz um filme sobre uma loucura mas é real. Tudo em John Carpenter é real. É o que eu posso dizer dos filmes dele. esses eram os meus pensamentos na janela, vendo o que me restava da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Da janela mesmo liguei pra um amigo pra conversar sobre o velho John, porque esse meu amigo também ama os seus filmes. Eu e ele frequentemente nos vemos em filmes de John Carpenter, sabe?! A gente tá num lugar e passa um sujeito siderado e a gente troca uns olhares e sabemos o que estamos pensando… “Parece um filme do John Carpenter. Bom, o cara fez mais de 20 filmes, então as chances de você se ver num filme dele não são poucas. Eu sei, eu sei… extraterrestres, vampiros, névoas assassinas, crianças esquisitas. Mas você acha o que? Que o mundo é habitado por seres humanos? Que marte é um deserto? John Carpenter sacou tudo e com isso criou uma das obras cinematográficas mais fodas que exite. Liguei pro meu amigo e falamos sobre isso, sobre o quanto esses filmes vão sobreviver a tudo e dar lições sobre como era o mundo no século 20.

É que eu não quero contar como é Eles vivem, quero que você tenha curiosidade e vá assistir. Baixa um piratão… porque é muito ruim de tá passando na TV hoje. Ou amanhã. Ou depois. Essa galera morre de medo do John Carpenter. Porque seus filmes revelam a natureza dessas pessoas que estão no comando das TVs, das grandes corporações, dos governos. Cara, outro dia fui ver aquele filme louco, Bacurau. Filmaço, filmaço… E aí tem uma cena em que tá rolando uma capoeira, com aquelas músicas de berimbau e aí esse som emenda numa música do John Carpenter, porque o cara também é músico! É uma cena alucinante… é como se o filme de repente aumentasse de volume, não só de som mas de corpo, como se tivessem adicionado fermento. É mágico. Os caras também curtem John Carpenter. Estão sabendo do que é necessário saber. Assiste Bacurau aí, porque é claro que é uma homenagem ao velho John.

Eu nem ia escrever tanto sobre ele. Era mais sobre ter que ficar ilhado em casa, assistindo ao mundo silencioso. Queria sair pra tomar uma cerveja e falar de John e dos seus filmes em que estamos metidos até o pescoço. Mas não podemos. Cada um trancado na sua casa, nessa cidade de milhões de casas trancadas, tudo porque tem algo à espreita e precisamos nos cuidar, para o mundo não acabar. Mas então… lembrei do John Carpenter, lembrei de Eles vivem e tudo se tornou irresistível. Coloquei meus óculos escuros (veja o filme e você vai saber a razão…) e perscrutei a névoa invisível, que com certeza cobria a cidade, em vão. Lá longe vi uma publicidade que cobria toda a lateral de um prédio. Era de uma das milhares de empresas loucas que na verdade são a Unilever. Sim, eles vivem. Obrigado, John Carpenter. Nunca esquecerei o que você me ensinou.


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