Melancolia, de Carlos Cardoso Revista Kuruma'tá, 21 de abril de 202016 de julho de 2021 Texto de Toinho Castro Nada como quando a poesia nos bate à porta. No meio de uma pandemia, o interfone toca… susto! Corre? O interfone? Quem será… É o moço da entrega. Entrega? Entrega de que? Descobri depois. Entrega da alma! Ou melhor, para a alma. Era, veja só, um livro de poemas. Protocolos quarentênicos cumpridos, vamos à leitura. Leitura ao vagar. leitura leve e lenta, como parece pedir essa poesia que me chegou. Gente, ter a poesia entrando assim, inesperada, na sua vida, é a melhor coisa. O livro? Chama-se Melancolia. Apropriado aos nossos dias, dirão os apressados. Mas com poesia não precisa haver pressa, ainda que um hai-kai de Leminski nos apresse a viver. A vida pode ter pressa, mas a poesia não. Não a poesia de Carlos Cardoso, em sua melancolia. Por muitos anos fui um leitor adepto da poesia de vanguarda. De tantos ler manifestos dadaístas, concretos, acabei por abolir-me o verso. Tardiamente, naturalmente. Empunhando experiências de toda sorte, um dia me vi sentindo uma falta absurda do verso. Porque não, o verso não estava morto. Estava vivíssimo dentro de mim, esperando um gatilho. E foram muitos os gatilhos a disparar-me em direção às boas estrofes. Então, esse livro feito de versos, estrofes, página após página. O desenrolar e desenlace de cada palavra que se segue, me encanta. Para mim, ler poesia é voltar ao leito natural, ancestral. A poesia é anterior a tudo que se lê. Tá na raiz da gente e Melancolia toca essa raiz e a estimula Não sou crítico, sou um leitor. Heloisa Buarque, na orelha do livro (que delícia que livros tenha orelhas), fala com muito mais propriedade, das tristezas vagas, do trabalho pela palavra fluida, ainda que escrita. A escrita é uma marcação. Quando lemos, o que há é um fio condutor e o poeta, ou a poesia (como se confundem esses dois, é o que está à margem dessa marcação. Por vezes inalcançável , por vezes nos falando de dentro de nós. Curioso você ler o que outra pessoa escreveu e isso falar de você. A gente pensa, que veio foi esse que o poeta alcançou e me encontrou, e falou como se fosse eu. Porque assim o escuto. A palavra é um bem comum, que um poeta como Carlos Cardoso tece e destece, em nome de cada um e nós. Tem aquela brincadeira, do extraterrestre que chega à Terra e diz “Leve-me ao seu líder!”. Eu imagino que dirá: — Leve-me ao Poeta! Melancolia é um livro de encontro com a palavra, com essa essência. Não é poesia porque está em verso, mas porque fala como só a poesia pode falar. É denso e necessário. Inalcançável? Não, inevitável. incontornável, como a pedra, que é central no livro. Como ponto de equilíbrio. Pedra pura Essa pedra que carregosobre a balança que me pesoé pedra dura, de concretopedra que dói e cura, brilha pedra pura! Nesses dias de quarentena esse é uma obra para ter ao alcance da mão. Volta e meia puxo ele do seu silêncio natural para falar comigo. Heloisa Buarque diz assim, de um jeito simples: Um livro belo. Sim, belo e consistente. Bem trançado com a matéria dos dias e dos sentimentos. Carlos Cardoso sabe o que está fazendo, tem um caminho bem trilhado e cruzar esse caminho me deixa muito feliz. Abrir um livro de poesia como Melcancolia, faz-me recordar com graça aqueles dias em que eu ostentava a morte do verso. O verso está vivo, sempre vivo, muito vivo e está aqui para mexer com a gente, nos tirar do lugar, falar de nós e nos projetar no outro. Só pra não deixar de contar esse detalhe… Melancolia recebeu o prêmio de melhor livro de poesia de 2019 da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. A Revista Kuruma’tá entrou na campanha adote uma livraria e adotamos a Blooks Livraria. Fica então aqui a dica de comprar o livro Melancolia, de Carlos Cardoso, no site da Blooks! Adote também uma livraria!Queremos todas de portas abertas quando a quarentena terminar! A Carlos CardosoLeituraLivroPoesiaToinho Castro