De nada vale a um daltônico o quarto escuro

Texto de Eduardo Frota


Porque o céu é azul. Não, isto não é uma pergunta. Porque você fica rubro quando deixa-se acometer pela ira. Os arcos das íris, no entanto, permanecem coloridos. Mas ele não pode ver as cores. Monocromático, multidolorido. Daltônico, o semáforo é sempre de um amarelado perigo. Por isso permanece no quarto escuro. Trancado pelo lado de dentro e pelado, com os olhos esbugalhados, de fora. Há somente tons de breu.

Ele precisou decorar o que dizia a cartilha.

Vermelho é a cor dos lábios, do hidrante, do carro dos bombeiros com a sirene estridente, da caneta que corrige, do jorro de sangue, sístole, do jorro de sangue, diástole, da segunda falange, da carapaça do caranguejo aquele bicho covarde que se esconde na lama do mangue.

Azul é a cor da piscina azulejada na laje quando está limpa numa tarde calorosa de verão, do planeta em que habita o que há de mais turvo, da arara em extinção, da alegria ou da tristeza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, da pasta de dente que arde nos olhos azulados dele que ardem.

Amarelo é a cor do sol infantil desenhado no papel, da anemia falciforme senil, da pele de quem vem do oriente, do ouro do tolo contente, do chocolate que se diz branco, da remela amanhecida após mais um novo pesadelo recorrente, do sorriso que não é franco, da gema mole e gosmenta do ovo.

Está escuro lá fora, mas ao daltonismo isso não faz a mais pálida diferença. É tudo a mais plácida cor-de-burro-quando-foge. O tempo ocre esquece de talhar as letras que dizem: o preto é a ausência de cor. É que, em essência, é tudo a mais alva ausência.