Poesia tem seu lugar cativo na Kuruma’tá, ainda mais a poesia de Maria Cristina Martins, que sempre abre uma janela nova aqui na revista. Aqui ela nos apresenta três poemas de sua nova lavra. Adoro essa expressão, que vem de lavoura, de lavrar a terra. E não é assim que a gente faz poesia? E para completar, acompanha ainda o conjunto de três poemas, uma arte da série de trabalhos que Maria Cristina vem desenvolvendo com pintura. Tudo de bom na Kuruma’tá, graças a essa colaboração, esse encontro de gentes que sonham e escrevem poesia.
Poemas de Maria Cristina Martins
MOVIMENTOS
1. Cotidiano
Não é que a poesia
me cause dor nas costas
ou me tire o sono
da madrugada
Não é que as crianças
sejam caixas-pretas
como os cachorros
quando latem demasiado
dentro do silêncio
De tudo o que vi
até agora
nada é tão doce e agudo
nem há vaga maior no mar
bando de nuvens
instáveis
inconsciente projetado
parir poema
ninar cachorro
escrever criança
2. Impulsivo
calma
olha pras tuas mãos
sangrando dos murros em ponta de faca
anzóis fincados na boca
teus lábios rasgados
às vezes por nada
o mundo é grande como o intestino
o mundo é pequeno como o dedo mindinho
de um recém-nascido
também corto
sangro e faço sangrar
quando me quebro
mas vidro sempre morre
quando calma entrar na tua cabeça
como apelido para teus disparos
quando teus atos forem frios
objetivos claros
alvos destacados no horizonte
equilíbrio será teu nome
certeiro será teu faro
3. Contraditório
desta feita pensei o contrário
que os rios são sempre os mesmos
as águas evaporam
viram nuvens
depois voltam na chuva
e alimentam aqueles mesmos rios
– Quando você choveu
transbordou o rio que passava
atrás da sua casa
decidi que meu objeto preferido
são os pedaços de corda
que guardaria no sótão
caso tivesse um
por suas duas funções opostas
– Quando você dançava
a fugir da sombra
eu pensava
no entanto é isto:
a sombra a põe em movimento