Os sabores da cultura popular

Chega-nos nesse sábado inverno, com fiapos de sol, ecos da culinária brasileira, pela voz afetiva da paraense de Marajó, criada em Belém, Raíra Moraes. Apaixonada por música e cultura popular, Raíra faz pesquisa nessa área há uns dez anos, sempre atrelando música, culinária local e manifestações de raiz. Só muito amor pela gastronomia, por enxergá-la como cultura e veículo das tradições e história do povo, das gentes desse país enorme e profundamente culinário. Onde se vai encontram-se sabores, combinações inesperadas de ingredientes e descobertas. Com esse olhar e, claro, paladar, Raíra compartilha com a gente suas impressões e experiências. Bem-vinda, Raíra, à mesa da Kuruma’tá!

Texto e fotos de Raíra Moraes


Mingau de curimã

Há uns dez anos, na penúltima vez que estive em Salvador, passando por uma passarela, vi uma senhora toda de branco, uma carinha com um sorriso lindo, sentada com algumas panelas ao seu redor e uns paninhos alvíssimos cobrindo-as. Resolvi me aproximar e experimentar o que tivesse de diferente ali. E eis que ela me ofereceu o mingau de carimã!

Eu amo mingau! E, esse, assim como o de tapioca, o de arroz com castanha-do-Pará, o de buriti e o de banana verde, que tomo em Belém, me pegou de cheio! Nunca tinha ouvido falar desse “tal” carimã… Mas, foi amor de primeira! A textura macia, tenra, suave e, ao mesmo tempo, forte, e saborosa foram tomando conta das minhas papilas gustativas.

Pronto, viciei! Todos os dias, precisando, ou não, eu subia aquela passarela, movida pelo desejo de tomar o mingau, exatamente igual àqueles desenhos animados onde os personagens saem voando, levados pelo cheiro de comidas deliciosas. Depois disso, retornei em Salvador uma única vez, mas, nunca mais encontrei esse mingau…

E, estes dias, ele tem estado na minha memória “palativa”. Égua da vontade! Resolvi, então, eu mesma fazer! Iniciei minha pesquisa para produzir todo o processo, desde a puba, matéria-prima do mingau. Hoje comecei a tratar a macaxeira. Ela ficará mergulhada nessa água, com a panela tampada, por uns dez dias, que é quando estará pronta para a feitura da puba. Vai dar um trabalho, mas a saudade do mingau é maior! Às vezes, precisamos mais de coragem que de disposição!

Meu ovo caipira de cada dia

Não é linda essa imagem? E o sabor mais ainda! Há quatro anos consumindo diariamente dois ovos caipiras quentes, não consigo mais imaginar meu desjejum sem eles. Para onde quer que eu viaje, saio carregando comigo algumas dúzias. Seja em avião, ônibus, carro, barco, e sem quebrar nenhum! Os amigos rolam de rir ao me verem chegar com uma montanha de ovos. Mas, ovo caipira de verdade não se encontra em todo lugar e, mesmo quando encontra, o acesso não é tão simples. Um dos alimentos mais completos que existem, riquíssimo em vitaminas. Bora comer ovo!

Camarão e resto’s

E hoje fiz uma receita do maravilhoso chef paraense, e um dos maiores do Brasil, Paulo Martins! Ele foi o primeiro a experimentar, criar e utilizar as riquezas dos sabores amazônicos na gastronomia, e foi responsável pela divulgação dessa culinária pelo mundo, e não o Alex Atala, como erroneamente muitas pessoas acham. Aliás, o Atala aprendeu tudo de gastronomia amazônica com o Paulo! “Camarão a resto’s” é uma receita de camarão com molho de bacuri. Bacuri é uma fruta super cheirosa, e deliciosa, que temos no Pará, cujo sabor adocicado, e levemente ácido, combina perfeitamente nessa receita. Gente, divino.