Observações musicais de Aderaldo Luciano
6
O poeta enlouqueceu na noite passada, deitado na barca da morte: as sombras da ansiedade. As paredes e o teto o transformaram no Conde de Monte Cristo, uma cela minúscula e escura. Mas recebeu no café da manhã a possibilidade de mais um dia, talvez de mais um fim de semana. O poeta ouve música, o poeta busca as canções. O poeta encontra Sabah Moraes. O poeta gosta de carimbó. O Pará é um imenso rio onde o sol nunca se põe, onde o poeta navega numa canoa invencível.
7
Sigo na noite que segue também. Há chuva nas ruas, há frio nas veias, há sonhos em véus. Os cães estão calados. No frio parece que eles perdem a capacidade de dialogar. Nenhum grito, nenhum uivo, latido algum. A voz de Karsu Dönmez é uma lâmina beijando-me o coração e, por algum portal cardíaco secreto, chegando a alma. Vou apagar a luz. Vou desligar o mundo. Vou descer pelo Karasu. Vou com ele e com o Kabhur. Vou para o Mar. Vou me deixar.
8
Por um breve momento, no escuro, senti a Terra parar. Foi breve, mas foi vero. As nuvens desceram, bem devagar. Tenho certeza que ninguém notou. Tudo continua como estava. Os vizinhos estão aprofundados em suas telas. Eu também estou, mas senti a Terra dar um breque. Sei que aconteceu porque meus gatos levantaram a cabeça ao mesmo tempo e espicharam as orelhas. Eles ouviram o som. Eles ouviram a música. Foi um experimento de Deus. São muitas almas subindo ao céu. Tenho certeza.
9
Desci ao porão dos que remavam. Desci a seus pesadelos. Desci para flagrá-los remando. É isso que fazem para mover nossa imensa caravela. À frente dos que remam e suam, outro condenado bate o ritmo do tambor. É esse ritmo que aprisiona os que remam. É esse ritmo que aprisiona o que toca. Estamos todos condenados a remar. Quando subi ao convés, Vardan Hovanissian e Emre Gültekin apontavam para Adana, cidade onde quase todos morreram.
10
Persegui flores toda minha vida. Borboleta, eu. Nas imensas planícies da Mongólia, vaguei por vários dias, planei sobre os mistérios, assustei cavalos selvagens e rondei Genghis Khan. Nas noites aninhei-me com frio no pedúnculo de alguma flor adormecida. Quando o sol nascia, ou um pouco antes, o orvalho evaporava e eu continuava minha jornada rumo ao Orkhon, entre os montes Khangai. Busco Karakorum, onde morreu meu pai.