3 poemas de Milena Martins Moura

Das coisas boas que dependem da internet… abrir o e-mail, depois de dias sem olhá-lo, para descobrir que chegaram poemas de Milena Martins Moura. Fazer uma leitura de encantamento antes de publicá-los aqui. Compartilhar esses poemas com quem segue a Kuruma’tá, é uma alegria, nessa revista em que a poesia, a boa poesia, é sempre tão bem-vinda. Obrigado, Milena.


1.

tenho uma dobra vermelha na pele do rosto
como um corte

entranha

você viu

a marca vermelha da cama no meu corpo
branco
onde dói o sol

você viu
os meus sinais em coleção
imitando a pose ereta de órion

ombro em rigel pé em betelgeuse

as partes proibidas à mostra
faz calor
e eu tenho sede

todos os tabus desnudados
constelações

e eu ariadne corpo celeste
vindo jantar nos escombros

as pontas dos seus dedos mastigando os meus contornos

entranha

todos os lábios
mordendo
a fraqueza da carne

2.

comecei no mundo com um grito de dor
o primeiro ar

comburente universal
fogo no peito

a minha história
que nasceu do grito
sucessão de notas descolocadas
em sol maior

fogo grave
queimadura

a minha história
escrava no fogo da forja

molda o passo torto
com que tento dançar
na ponta
do lápis

nanquim luz e sombra
todos os fados padecendo ao sol

o meu deposto aos pés do fogo
gota de sal na pele nos pelos

cai o pano

eu seco os olhos com o desfecho inesperado

eu seco o corpo da impureza nos poros

existir queimar as solas na areia
o mar que era longe
continua longe

3.

quanto mais risco mais sombra

o espaço que ocupo
no topo das ordenadas
imaginado o salto

é por isso que nos chamam geração y?

uma multidão de promessas vazias
procurando o medo pela janela
segurando ana c nos braços para que não caia
em 1984
quando não éramos nascidos

é por que nascemos sem asas
que o mar é convite?

sombra é aquilo que não se vê
senão de cima
de onde a imagem toda
do famoso grande quadro
se significa

aldebaran seguindo as plêiades no touro alado
ariadne vindo jantar

uma multidão de pequenos acontecimentos aleatórios
erguendo prédios e fazendo guerras
à espera do último sopro

o risco entre os nossos pés
e o firmamento


MILENA MARTINS MOURA é mestre em literatura brasileira e tradutora. É autora dos livros Promessa Vazia (2011), Os Oráculos dos meus Óculos (2014) e A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021, no prelo). Integra a equipe de poetas do portal Fazia Poesia. Publica suas produções em diversas esferas artísticas no Instagram @oraculos_dos_oculos.


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