Poemas de Franck Santos

A Revista Kuruma’tá é um porto onde chegam poemas. E hoje recebemos o poeta Franck Santos, um libriano com ascendente em peixes, 50 anos, ilhado em São Luís do Maranhão. Franck em 5 livros publicados. Breve, sairá pela Editora Primata o ‘Prefiro regar as plantas’, livro de poemas.

Franck, seja muito bem-vindo à Kuruma’tá!
E nós, vamos ler esses poemas, iluminando esses dias de quarentena e luto que nosso Brasil atravessa.

Dica: Entrevista de Franck Santos para o site Como eu Escrevo, do caríssimo José Nunes!


Este tempo é de coisas que nos deformam
Como seres das espécies pelágicas
Vivemos acima dos sedimentos
Mas ainda há pele tua sobre os lençóis, nos discos acumulados, nas fotografias, nos meus dentes.
Seremos sempre deslocados na geografia
Como a cicatriz que deixaste, como uma tatuagem, uma explosão, uma catástrofe,
O lobo que fugiu da sua alcateia
E guardei no pulmão.
Das viagens guardo recordações que agora vão preenchendo as paredes
Quase como a massa de água dos oceanos
Mas ainda compro flores, ameixas, melancias, morangos e tangerinas,
Antes que a esperança não seja só o calendário
O verão vá embora e leve esse cheiro de chuva e maracujá dos nossos corpos.
Para não morrer tanto
Deixarei acesa a lâmpada do corredor
Doce de caju na geladeira
Tudo que é de algodão nos armários do quarto
Nossa serenidade sem paralelo.


Aos 14 anos ele disse que apagou seu rosto de todas as fotografias dos álbuns de casa.
[ Aos 25 anos, o que mudou nos seus traços:
O sorriso?
Algum sinal de nascença?
As marcas de expressão?
Alguma cicatriz?
Os óculos? ]
Seu rosto é o mesmo
ou de vez em quando pega em tesouras, lâminas, canivetes, estiletes, facas,
e ainda brinca de cirurgião?


prefiro regar as plantas:

Leio que Marte e Saturno estão se alinhando no céu
Que Júpiter está cada dia mais próximo.
Penso que enquanto os planetas se conectam
Nos hemisférios tudo é vermelho
Deito no chão da casa quase em desespero e sinto falta de um dia de janeiro
Quando fazíamos coisas mais divertidas.
Nestes dias de tédio e readaptar-se a casa
Trajetos curtos
Repetir assuntos por telefone
Olho a planta baixa da cidade
As rosas que desabrocham no jardim
E prefiro regar as plantas
Mesmo que a loja de discos feche
Porque do Sul um amigo canta Maria Bethânia pra mim
Recita um poema
Enquanto as vozes silenciam no rádio e na vizinhança
E nos permitimos pequenas fugas.


viagens por cidades distantes:

Aquelas noites
no calor da nossa intimidade
Brilhamos como um farol.
Ardemos como Alexandria.
Na parede do quarto
um Atlas nos contemplava.


Cotidiano 3:

Entre vodca e gin
Ele preferia cachaça
E longas tardes na praia, sem mim.