Aquela coisas todas, livro lindo de Joyce Moreno

Texto de Toinho Castro


Conheci Joyce Moreno em abril de 1980, e ela assinava somente Joyce, no festival de música MPB 80, da Rede Globo. Eu tinha 14 anos, gostava de rock e lá estava, diante de mim, nas imagens vacilantes da TV de então, Joyce cantando Clareana, um acalanto dedicado às filhas. Talvez aquilo tenha me remetido ao folk, às canções de Peter, Paul & Mary, ou mesmo Fairport Convention… não sei. Talvez eu tenha simplesmente gostado, sem conexões com o que eu já escutava. Fiquei encantado com aquilo, com aquela delicadeza. Com aquele amor que se desenhava numa canção tão singela, amor de mãe. O amor da minha mãe por nós era a janta servida, os cuidados da saúde, as preocupações com o que vestir, o que comer, as amizades. Aprendi ali que amor de mãe podia ser música.

Tempos depois dei com Joyce novamente, dessa vez num disco do Beto Guedes. Contos da luz vaga. Um disco de 1981 que sim a conhecer pra valer anos depois. A música Rio doce trazia um dueto de Beto com Joyce, Gente das mais preciosas fontes.

E desde então tenho admirado e me encantado com Joyce e seu trabalho. Desde então aprendi a dimensão enorme desse trabalho, que atravessa a música brasileira em muitas direções, encontros, parcerias e descobertas que ela nos oferta com maestria. E agora, depois de tantas músicas, tantos discos lindos, eis que chega às minhas mãos esse livro, Aquelas coisas todas (da querida Numa Editora), que nasceu como um remix do livrinho de memórias, como ela mesma chama, Fotografei você na minha Rolleyflex, lançado em 1997. Mas de tudo que aconteceu de 1997 pra cá, e com tantas histórias e memórias para contar, o projeto acabo ganhando uma segunda parte. E que bom que isso aconteceu!

Do jeito que eu falei parece e que recebi Aquelas coisas todas ontem, mas isso não é verdade…. o livro chegou há algum tempo e algum tempo se passou até que eu o abrisse. Eu vinha me sentindo muito em dívida com essa leitura. Não tenho a ligeireza dos Youtubers literários, que devoram, no melhor sentido, páginas e mais páginas e livros e autores para alimentar suas resenhas. Sou devagar, e um livro, até a leitura, tem um caminho misterioso a percorrer aqui em casa. Ontem, pelo acaso dos algoritmos, escutei umas canções da Joyce, do seu disco Passarinho urbano, gravado na Itália, em 1976, e lançado no Brasil em 1977. Que lindeza, né?! Um disco que precisa ser escutado nos lares brasileiros.

Aí lembrei do livro. Lembrei do livro e corri para lê-lo. Gente, e que livro, que não consegui para de ler, como não se consegue parar de ouvir um disco da Joyce depois que a gente o coloca na vitrola. Sua prosa é deliciosa. Parece que ela te surpreendeu numa mesa de bar e se pôs a falar, a contar histórias, a puxar um fato de dentro de outro. E que contadora de histórias que ela é, heim?! E assim vamos saindo de uma história pra outra, de uma reflexão pra outra; sobre a vida, a vida de artista, a arte, a música, a família… a lista de coisas, aquelas todas, que se passam diante de nós na virada das páginas, é longa, é como um caleidoscópio.

Joyce transitou pela cultura nacional, compartilhou o fazer artístico com grande nomes, como Vinícius, Tom Jobim, Nelson Ângelo, e fez de si, por meio de uma obra impecável, um grande nome. Um nome de mulher. A gente acompanha o desenrolar desses cenários, em capítulos curtos e certeiros, e o encadeamento da conversa não deixa a gente largaro livro. Que beleza de livro, tão bem-vindo num momento tão difícil para o nosso país e para a nossa cultura, para a qual ela colaborou tão enormemente.

“A minha música é neta do samba, mas não é bem samba.
É filha da bossa nova, mas não é bem bossa nova.
É prima do Tropicalismo e do Clube da Esquina, mas
não é nada disso.
É sobrinha distante da música do Nordeste, mas só às
vezes se lembra do parentesco.
É amiga do jazz, que a recebe sempre com festa. Mas
também não é bem isso.
Já esteve pop, mas nunca foi.
A minha música não tem estilo.
Ou, por isso mesmo, vai ver que tem.

A minha música é simples, mas pode ser meio esquisita. Nem sempre é confortável. Mas gosta de parecer fácil. A minha música também gosta de algum estranhamento – compassos quebrados, afinações malucas no violão.”

O que eu recomendo? Ler Todas aquelas coisas com uma playlist de Joyce Moreno nos alto-falantes… A gente vai avançando na leitura, ouvindo as músicas, aqui ou acolá distraindo das páginas pra prestar atenção num arranjo, numa harmonia, na voz dessa mulher que tem uma história rica, diversa, no corpo da MPB e que sabe contar essa história com um jeito acolhedor. Joyce é brasileira, coo eu, como você, como quem ama o Brasil.

Enquanto escrevo aqui eu vou lendo o livro e escutando seus discos, e escolhendo umas músicas para uma playlist que você vai encontrar logo após a última linha. Joyce Moreno, que grande artista brasileira. Que artista completa! Lei suas histórias.

PS. Na mesma época em que trabalhei na MultiRio, uma empresa de mídias vinculada à Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, a Joyce produzia e apresentava por lá seu programa Cantos do Rio. às vezes eu a encontrava nos elevadores ou corredores, e trocávamos, como bons estranhos, cordiais cumprimentos. Só que eu é que era o estranho e ela era Joyce. E eu saía desses brevíssimos encontros com aquela sensação/emoção de “Nossa! é a Joyce!”.


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