A arte de governar a si mesmo Revista Kuruma'tá, 15 de abril de 202115 de abril de 2021 Texto de Daniella D´Andrea Atriz e contadora de histórias Num tempo que não era tempo, reis, rainhas, príncipes e princesas eram educados por contadores e contadoras de histórias. Uma das coletâneas de histórias mais antigas que existe, o “Kalila e Dimna”, de origem indiana (aproximadamente século III a. C) fala sobre isso. Essa coletânea reúne histórias que o narrador Bidpai – nome que em sânscrito reúne as palavras “médico” e “filósofo” – teria contado ao Rei Dabschelim para trazer consciência a uma mente aparentemente limitada e a um coração que parecia feito de gelo. Na antiguidade partia-se do princípio que, na arte de governar, um líder deveria antes de tudo aprender a governar a si mesmo para que seu reino e sua linhagem não caíssem em desastre. Muito atual. Mas certamente o termo “governo de si” pode ter muitas compreensões (e usos). Gosto de imaginar que, no fundo, todos os contos de ensinamento – termo utilizado pelo pesquisador e escritor Idries Shah para designar uma categoria específica de histórias da tradição oral utilizada para transmissão de conhecimento – falam sobre um “governo de si”. O roteirista de cinema, pesquisador e escritor, recentemente falecido, Jean Claude Carrière chama esses mesmos contos de “contos filosóficos”. Talvez para “escapar” do significado condicionado e moralizante que o mundo ocidental colonizador dá a palavra “ensinamento”. Ou então para acentuar o fato de que essas histórias permitem vários níveis de compreensão que funcionam sincronicamente. Num dos distintos entendimentos sobre o que é um conto filosófico existe a percepção de que seus personagens, elementos e lugares são diferentes aspectos de faculdades interiores de uma pessoa. Formas distintas de uma realidade interna que é plástica, moldável e em constante movimento como afirma a filósofa Bia Machado. A conquista de um reino ou o casamento entre um príncipe e uma princesa são maneiras de simbolizar um percurso para uma integração de si no caminho, por vezes imponderável, de uma existência que busca o equilíbrio sutil entre dor e prazer. Essas analogias são atemporais. Foram criadas mesmo com o intuito de acessar vozes ancestrais que nos convocam no correr das gerações. O tal do tempo que não é tempo. Pensando no trilhar de uma existência na contemporaneidade: o que nos (des)equilibra? O que nos mantém de pé? É o governo de si uma atitude de responsabilidade perante a própria vida? De que maneira ela influencia aqueles que estão ao nosso redor? O governo de si pode ser uma atitude política justamente por paradoxalmente levar o ser humano para além de si? Criamos – eu e o também narrador Warley Goulart – o espetáculo “A Arte de Governar a Si Mesmo” pensando nessas perguntas. E pensando também no fato de que se vivemos um momento em que o mundo – e mais acentuadamente o Brasil – parece estar vivendo algum desgoverno, o que essas histórias poderiam nos recordar sobre processos relacionados a palavra “governo”? A partir de uma história moldura (“O príncipe, o mestre e a águia”, conto da tradição oral árabe), a dramaturgia desse trabalho segue o tradicional desenho das clássicas coletâneas onde uma história é permeada por outras. Assim, uma contadora de histórias vai acordando outras narrativas, como “A cidade melão” (tradição oral do Afeganistão) e “O cego Abdallah” (tradição oral da Arábia), além de trechos da obra “O jardim amuralhado da verdade” de Hakim Sanai de Ghazna, poeta persa do século XII. No eixo de toda essa trama falamos de um príncipe temperamental e desinteressado pela vida de seu reino, criado com excesso de cuidados por uma rainha e colocado sob a observação de um mestre ancião. Poderíamos fazer um, dois, três espetáculos e não responderíamos completamente nenhuma das perguntas que fizemos na gestação desse trabalho. Pois o caminho se faz caminhando, e as perguntas não necessariamente implicam em encontrar respostas. Governar a si mesmo, buscar uma conduta consciente, é um aprendizado de uma vida inteira. Implica inclusive em abarcar também os momentos de “não governar”, reconhecendo que não temos o controle de tudo porque simplesmente não sabemos o que é o “tudo”. Gostaríamos então que esse espetáculo funcionasse como um espelho que conversasse com aquele que em nós olha para dentro. E busca a velha ideia da arte de bem viver num mundo ao mesmo tempo bonito e estranho. Estando também serenamente atento à possibilidade de “não bestar” em relação ao nosso passado/presente/futuro. ******* Fotos de Rodrigo Menezes O projeto de artes integradas “A Arte de Governar a Si Mesmo – Caravana pelo Interior” segue até o dia 21/04, com a seguinte programação:Dias 16 e 17/04, às 20hConversa com artista convidado + espetáculo no YouTube Daniella D´Andrea16.04 – Juliana Manhães, artista brincante e professora universitária – Guapimirim (RJ) 17.04 – Lazir Sinval, coordenadora do Jongo da Serrinha – Rio de Janeiro (RJ)A ARTE DE GOVERNAR A SI MESMO – CARAVANA PELO INTERIORSolo narrativo com a contadora de histórias e atriz Daniella D`Andrea.Direção: Warley Goulart, coordenador do grupo “Os Tapetes Contadores de HistóriasDireção do filme: Ricardo MansurCenário: Leo Thurler e Warley GoulartConsultoria narrativa: Juliana Franklin Dia 18/04, às 18hLIVE Roda de Contadores de Histórias “O que te mantém no caminho: roda de histórias para olhar através” No YouTube Daniella D´Andrea> Regina Machado, criadora e curadora do Encontro Internacional de Contadores de Histórias Boca do Céu – São Paulo (SP)> Rosana Reategui, do grupo Tapetes Contadores de História – Rio de Janeiro (RJ)> Julia Grillo, da Oficina Escola de Arte Granada – Nova Friburgo (RJ) Dia 21/04, às 20hLIVE Roda de Contadores de Histórias “O que te mantém no caminho: roda de histórias para olhar além” No YouTube Daniella D´Andrea> Nícia Grillo, fundadora da Oficina Escola de Arte Granada e formadora de narradores – Nova Friburgo (RJ)> Warley Goulart, do grupo Tapetes Contadores de História – Rio de Janeiro (RJ)> Juliana Franklin, da Arte de Reparar Histórias – Rio de Janeiro (RJ)> Gislayne Mattos, mestra em Educação, escritora, contadora e formadora de novos contadores Toda a programação tem tradução em LIBRASClassificação etária: 12 anos Instagram e Facebook: @aartedegovernarasimesmo******* A Contação de históriasTeatro