Quando a gente ainda revelava fotos (e ouvia discos…), a #CâmaraEco de Júnior Cordeiro

Texto de Pedro Siqueira


Apesar de não carregar o misticismo dos outros discos, #CâmaraEco não deixa de ser meu vaticínio maior. É, à minha maneira, apocalíptico e áspero.
E nem falando de temas mais hodiernos e cotidianos eu consigo deixar de ver o mundo dotado de encantamentos, ou pelo menos de tentar querer encantá-lo vestido com minhas roupas de sonho.
— Júnior Cordeiro

Júnior Cordeiro

Qual foi a última vez que você ouviu um disco no escuro? Mas, assim… no escuro MESMO? Nesse tempo, em que com tanta facilidade acaba-se descobrindo o que quer (e até o que não quer) sobre praticamente tudo, nas águas mornas dos algoritmos de Spotify e de “Veja a playlist que preparamos a partir do seu gosto!”, é fácil cair na armadilha de se manter na tão falada “bolha”.

Imagine minha grata surpresa, então, ao deparar com esse disco de capa misteriosa, como quem não quer nada, depois de chegar para um amigo perguntando indicações sobre algum disco bom de 2021. Amigo este, é bom lembrar, que seria capaz de me indicar tanto um disco de Nick Cave como uma coletânea de cirandas antigas com a mesma paixão, sempre disposto a provocar, no melhor sentido do termo. Foi então que surgiu-me o nome de Júnior Cordeiro e sua Câmara Eco. Ou melhor, #CâmaraEco.

Procurando o disco nas plataformas de streaming, seria fácil ir até o Google e pesquisar sobre o tal sujeito, correndo o risco de já criar aquelas expectativas que às vezes vêm sem a gente nem querer. Permiti-me, então, o desafio de encarar o álbum completamente alheio ao que eu deveria (ou não deveria) esperar. Como diz Gilberto Gil: “O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe”.

Ao se dar o play, a tal da Câmara Eco nos recebe logo com uma explosão de sintetizadores e guitarras wah-wah. Mas espera aí, isso é rock and roll! E do bom! Bateria marcante, efeitos “espaciais” que permeiam a canção, entendi, então, é um discaço de rock… Mas, calma lá, o que é isso?! Quando você pensa que decifrou o som… Júnior puxa o tapete e te sacode, estourando em uma peleja de violas, percussão e sopros, como se os virtuosismos do Rush abrissem caminho para o Trem de Catende imortalizado por Alceu Valença em 1975.

Júnior Cordeiro, descobri depois, é paraibano do Cariri. Tem sete discos espalhados por uma carreira de quase duas décadas. A maioria desse material, digo com certo embaraço, pelo menos até então desconhecida por este que vos escreve (já estou correndo atrás do prejuízo, Júnior…). Analisando friamente, é possível perceber em seu trabalho a linha evolutiva que vem desde os trabalhos de gente como Quinteto Violado, ou os pioneiros que ousaram misturar rock com música de raiz do sertão, como Ave Sangria.

A simbiose entre passado e futuro é justamente o que deixa o disco tão envolvente. Sob timbres psicodélicos, arranjos de cordas sintetizadas e os sempre presentes violões, a relação armorial entre um álbum com título em hashtag e discorrer sobre “Quando a Gente Ainda Revelava Fotos”.

Correndo o risco de ser simplista, é possível repetir que #câmaraeco, em sua base, é um disco de rock ‘n’ roll. Mas do BOM rock ‘n’ roll, aquele capaz de se lamuriar, sem vergonha nenhuma, sobre as dores do amor rasgadas pelo saxofone de “Conexão Amor” seguido, em outras canções, por solos de guitarras pesadas e viajantes.

Talvez seja isso mesmo que responda a todos esses questionamentos, a liberdade, a falta de compromisso com o que se deve ou não ser, o “não fazer sentido”… revelar fotos, gravar discos… ouví-los e, claro, senti-los.


Saiba mais sobre o trabalho de Junior Cordeiro assistindo ao AOVIVOKURUMA’TÁ, realizado com o artista em 14 de abril, numa conversa muito boa sobre o #CâmaraEco. Participaram também da conversa Hugo Rosas, da banda Working Men, e Toinho Castro e Aderaldo Luciano, editores da Kuruma’tá! Confira!