O livro

Texto de Toinho Castro


Nossa tendência é achar que um livro é um objeto. É tátil, tem peso, volume… podemos carregá-lo, emprestá-lo, perdê-lo. Ah, a triste sensação de perder um livro, de vasculhar a estante e não encontrá-lo. Mesmo esse “procurar por algo”, alimenta essa ideia de que o livro é um objeto.

Mas pensar o livro como objeto é pensá-lo de um jeito pouco. É pegar o livro e diminuí-lo a condição de… um objeto. O livro é mais que isso, mais amplo, mais profundo, mais vasto.

No seu conto O livro de areia, o escritor argentino Jorge Luis Borges, um amante dos livros, imaginou um livro infinito, com um número infinito de páginas entre a capa e a contracapa. Ao tê-lo nas mãos, o julgaríamos, erroneamente, como um objeto.

Todo livro é esse infinito, porque ele não se encerra na escrita e nem mesmo numa leitura. O que se dá entre a capa e a contra capa é um contínuo processo vivo, dinâmico, de transformação. Diz Heráclito que nunca podemos colocar os pés no mesmo rio. Porque muda o rio sempre. E mudamos nós. A parábola de Heráclito vale para os livros.

Dito isto… não, o livro não é um objeto. É um processo, uma vivência. Mais que um produto, é uma realização, das grandes, das boas… talvez uma das maiores da humanidade, junto com a roda e o domínio do fogo. E o mais importante: O livro é uma realização coletiva. Isso é que é bonito.

O livro é um emocionante encontro, que reúne em torno de si, gente que escreve, que lê, gente que edita, que imprime… Gente que te recebe numa livraria, logo ali na esquina, e de uma conversa tira da cartola um livro que você vai amar e recomendar. Autores, editoras, livrarias, livreiros e livreiras, numa cadeia de eventos para que nós, qualquer um de nós, leitores, sejamos tocados pelo Livro de Areia de Borges.

A despeito de ter volume, peso e ocupar uma determinada área no espaço, o livro não cabe em caixas. Não cabe sequer numa pessoa… quando a gente lê um livro, queremos logo compartilhar, indicar a alguém, emprestar, dar de presente. A gente quer sentar para um café e contar: Olha, tô lendo esse livro incrível! E cativar a outra pessoa para lê-lo também. Porque, digam o que disserem, o livro quer se espalhar entre as pessoas. Isso é o seu existir.

Por isso eu defendo o livro. Por isso, quando qualquer um levanta uma letra contra o livro, eu o defendo. Quando dizem que o livro vai morrer, vai acabar, eu caio na risada, porque todo mundo que profetizou esse apocalipse, ou morreu ou vai morrer antes do livro. Porque o livro resiste bravamente em nós. Acredito que todo mundo tende a ler um livro. Você vai dizer que isso é bobagem, que muita gente não quer ler, não acha que precisar ler.

Essas pessoas, na verdade, estão sendo impedidas de ler. Só não sabem disso. Seja pelas circunstâncias da vida, por estar nublado pelo canto de sereia, já desafinado, da produtividade e do mercado, ou mesmo pela miséria a que tantos são submetidos cotidianamente. A leitura é um querer intrínseco ao ser humano. É um direito do qual precisamos tomar consciência.

O livro, essa potência, precisa estar ao alcance de qualquer um. Precisamos de livros, livrarias, bibliotecas e de uma educação libertadora, que abra o caminho para os livros na vida de qualquer pessoa.

O livro é um dos principais elos dessa rede a que chamamos civilização, e a compreensão disso salva o livro e o mundo como a gente compreende.

Um mundo sem livro seria um mundo pior. Um mundo aberto aos devoradores de mundo. Qualquer um que queira o fim dos livros, que planeje dificultar o acesso aos livros ou até proibi-los, como muitos tentaram, quer um mundo de ruínas, de pessoas em ruína. Então a luta pelos livros, por mais livros que iluminem o espírito, é permanente. Porque essa gente sem alma não descansa. Então não podemos descansar também, e devemos andar pelo mundo carregando livros.

Somos nós, abrindo livros no metrô, no ônibus, no parque. Somos nós recomendando livros para as amizades, para gente estranha nas ruas, com trocamos algumas palavras circunstâncias. Quero que olhem a terra do espaço e vejam livros, pessoas com seus livros no colo, pessoas lendo em suas casas, lendo para seus filhos e arrumando seus livros numa estante.

O livro… esse vórtice, esse redemoinho, para onde convergem as histórias e as pessoas.