“Tenho reparado nos ipês pela cidade” — Poemas de Micaela Tavares Revista Kuruma'tá, 26 de abril de 20213 de fevereiro de 2022 Poemas de Micaela Tavares Ah, nos cativou de pronto a poesia de Micaela Tavares, que nos chegou de surpresa, na nossa caixa mágica de correio eletrônico, com seus ipês, com seus olhares de amor, com sua poesia inscrita nas paredes do ap, na pele, na camiseta, no riso sob o sol, nas ruas da cidade. Seja bem-vinda à Kuruma’tá, Micaela! Romance Sapatão Quando me apaixono busco por apartamentos em locação decorados de varandas plantas que sobreviveriam no inverno ou no verão uma vida juntas, um espaço nosso quem sabe um toca-discos gato, cachorro, espada de São Jorgeou a samambaia pendurada na beira da escada do lado de fora recaindo sobre a varanda do apque visitei no Instagram Quando me apaixono penso na vida a duas que poderíamos terfaria batata com curry suquinho de caju pra você quem sabe rir um pouco mais da tv antes de escolher o filme da noite – série não porque podemos dormir e perder a parte boa Quando me apaixono traço os planos de hoje & de amanhã busco a música que te ouvi cantarolar na noite passada e me apeteço na lembrança dos teus lábios dançando antes de urgir o grito de boa noite Quando me apaixonolembro da hora e afogo o tempo dito que as regras do que passa nada se vai me vejo de mãos dadasquase caladas por tanta coisa a dizer Quando me apaixono fecho os olhos para lembrar esqueço de esquecer Vai que dessa vez eu me apaixono e concretizo esse querer comprando aquele ap montando a varanda trazendo o gato, cachorro, a samambaia te chamando para morar comigoesse embolado todo eu&você. Talvez ela tenha me fisgado ontemeu falava bem mais das meninas as quais não hei de negarque adoroquando tão desengonçadas armam planoscriam fábulaspara me verhojeeu falo bem mais da menina a qual não hei de negarque adoroquando tão arrepiadasussurra baixo um segredo que me faz gaguejare me renderqual era o assunto? Alguém me ensina a amar só quem me ama, por favor eu finjo não vermas estou quase sempre vendo a rua lá embaixoa samambaia crescendoteus olhos – um tiro estou quase sempre vendo e quando tu não vensnão tem graçafico tontaperco a piada enquanto tu não vensmas quando te vejo entrar te vejo chegareu finjo não vermas estou quase sempre vendo I’m bad for you but I’m badtentei te escrever cançõesperdi o trecho que diziaque me acompanharia noteu ukulele azuleu pensava em notícias para dar:o cinema em que íamos fechoue te vejo tímida ao beijar-mesob a areiatalvez eles vejame não me importoque vejamporém, darling, tu te importasmas tudo bem!às vezes jogo pedrasna água e faço-as quicarconsegue ver? Talvez não viste pois atendia o celulardarling, I’m bad for you butestou disposta a esperaras cinco horas de trânsito sem sinal me fazem enlouquecer sem você por issoescrevo poemas Tenho reparado nos ipês pela cidade o meu corpo restringe que tua alma me queira pouco me importa o corpo dosoutros pouco me interessam fico de ver se vens quando vensvouabaixo a cabeça enrubesçomas volto o olharao teu – de vez em sempre procuro pelo melô que dançamos na mesma intensidade em que reparo os ipês floridos pela cidade: como se fosse a última coisa a sefazer antes de morrer. Me incomoda me incomoda que aos meus pais não incomode o racismo o patriarcado a voz do presidente o cerco no planalto as laranjas no mercado a cor da nova era a política severa o rompimento do silêncio a minha lutaaos meus pais interessa onde vou que horas volto não lute contra forças maiores estude mas não se revolte cresça mas não apareçaolhe mas não use a voz logo eles que em 1964 viram o Brasil ruir em sangue logo eles que são da era do fascismo registrado logo eles que não avisavam a hora de voltar pra casa Não é o amor que falta Afinal o que importa não é a literaturaou o riso da menina quase bonita que ao teu ladosobressalta cinco rimas sem coração alguns dias de angústiaseis bocas para consolar É preciso o amor de repente fazer graçaver aeroplanos na linha de pousoas luzes de uma cidade que não conhecedesculpe sou jovem não tenho tantos planos Hoje é o dia de todos os demônios quase esqueço minha dor foco na dor dos outros No poema da Wislawa foi muito bem-dito:Ninguém na família jamais morreu de amor. Micaela Tavares (21 anos): aquariana com ascendente em peixes – por isso escrevo poemas. estudante de Direito na UEMA nas horas restantes. leitora apaixonada dos poetas marginais e contemporâneos. Possui poemas publicados nas revistas Variações e Quatetê. Em breve autora publicada do 1º livro cujo nome será Tenho reparado nos ipês pela cidade pela Editora Folheando. A Micaela TavaresPoesia