¿Una mariposa en mi pecho? Revista Kuruma'tá, 29 de abril de 202129 de abril de 2021 Texto de Eduardo Frota A gente faz exame pra ver o que tem lá dentro. Pra ver o que a gente não consegue ver quando fica de frente pro espelho. O que não quer dizer que a gente não sinta. O negócio tá lá tão dentro, mas tão dentro, que há quase uma certeza absoluta de que provavelmente somente um exame pode dizer o que é. Mas a gente tem que aprender a ler exame. Médico aprendeu a ler exame. A gente, não. A gente aprendeu a ler, mas nem todo mundo pratica a leitura. Porque pra certas leituras não basta identificar as letras. Acreditem: há quem não saiba ler poesia. Muitos por aí não sabem ler o outro também, seus semelhantes, que têm a mesma quantidade de olhos, pernas e braços. Quanto mais exame, quanto mais bula de remédio, quanto mais dicionário, quanto mais as entrelinhas, quanto mais sei lá o quê. Cada vez fica tudo mais difíci de ler. Só que o incômodo existia. Não era questão de leitura, era latente lá dentro na altura do peito. Então eu fui ao médico e ele pediu pra fazer um exame, uma chapa, um raio-x, que era pra que ele pudesse ler o que havia em mim. Depois, podia receitar um remédio. Pra mais tarde ele repetir o exame e ver se aquilo que eu estava sentindo já havia ido embora. — Há quanto tempo você sente isso?— Muito tempo.— Muito quanto?— Mais de ano, menos de mês.— Parece com o quê?— Não sei explicar.— Usa uma metáfora…— Tipo aquilo de poesia?— É. Tipo parecem borboletas no estômago.— Não, nem parece. É mais em cima.— Sim, mas tipo isso. Usa uma metáfora tipo isso.— Tá mais pra mariposa.— Onde?— No peito, né?— Mariposas no peito…— É que mariposa não voa leve. Voa pesado.— Bate nas coisas, né?— É, borboleta pousa. Pousa nas flores.— Mariposa se debate contra as paredes, né?— É, e ela não é colorida. É sempre da mesma cor.— Mas tem grande e pequena, né?— Tem, verdade. Mas borboleta não?— As borboletas no estômago costumam ser do mesmo tamanho.— Aí o remédio é sempre o mesmo, então…— Nem sempre, porque há quem goste delas.— No estômago?— Sim! Você ficaria surpreso.— Só se chamar um caçador de borboleta.— Hahahahahahahaha!— Hahahahahahahaha…— Vou botar isso na receita da próxima vez.— A sua letra parece um voo de borboleta, até.— Borboleta é bom, que é fácil de desenhar.— Mariposa é difícil. Acho que não consigo.— Tá ligado que borboleta em espanhol é mariposa?— Olha, não sabia!— ¡Una mariposa!— En mi peito…— Pecho. Peito em espanhol é pecho.— Ah, bacana!— Mas seu caso, ao que parece, é mariposa no peito mesmo.— Se for, tem cura?— Ah, sempre tem. Boas chances delas voarem embora.— Delas?— Quase sempre andam em bando. Tipo borboleta.— Inseto é foda, né?— Porra, nem me fala. Me amarro em inseto.— Eu também.— Bom, faz o exame e volta aqui pra gente ver o que é. O exame deu uma mancha. Mas nem era no pulmão, não. Era bem no coração mesmo. Dava pra ver ele manchado mesmo sem saber ler exame. Voltei ao médico com a chapa debaixo do braço. Ele olhou, olhou mais um pouco e resolveu pedir uma segunda opinião de um colega que entendia desses negócios de metáfora. É que não era mariposa no peito. Pediu pra entrar no consultório um amigo que era poeta, que sabia ler essas coisas. O poeta, com um semblante tranquilo no rosto, chegou perto do exame. Franziu o cenho. Colocou os óculos pra perto e olhou, olhou mais um pouco. Colocou os óculos para longe e leu tudo de novo. Virou-se pra mim, mas não havia sorriso. — Já vi isso antes.— É mariposa, né?— Nem é. Isso aí é saudade mesmo.— Saudade sai em exame desde quando?— É que tem que aprender a ler.— Mas e agora?— Toda vez que você fizer um exame, vai aparecer.— Não vai embora?— Não, nem é como borboleta no estômago.— Mariposa…— Nem como mariposa no peito.— E tem remédio.— Sinto muito, não tem.— Então o que eu faço?— Aprenda a ler.— Exame?— Não, poesia.— E vai adiantar.— Talvez.— Mas e se não adiantar?— Pelo menos você vai ter aprendido a ler poesia.— E a saudade vai embora?— Quando você aprender a ler, não vai querer que ela vá embora.— Mas não é bom…— Também não é ruim…— Mas eu queria um remédio.— Só que não tem receita pra isso. Estava escrito no laudo que quem aprende a ler poesia consegue botar borboleta pra pousar no jardim. Ou botar mariposa pra se debater nas paredes. Foto: arte feita pela tatuadora alemã Leitbild https://www.tattooers.net/pt/tatuador/leitbild/ A ContoLeituraLiteratura