Recife e Olinda são cidades que existem num plano poético, cidades narradas. Existem porque são contadas. Então poetas, nelas, não falta. E ser poeta de lá é ser poeta de si e de além. Nesse contexto, nessa linha imaginária de poetas, se encaixa Iyadirê. Faz tempo que a conheci, de passagem pelo Rio de Janeiro, vívida, límpida, atenta, elétrica e suave.
Assim sua poesia , uma vez que a li, não me surpreendeu em sua lindeza, e me surpreendeu, naquele susto, súbito de ler algo que encanta.
Há tempos tô de olho nesses versos e hoje os publico na nossa Kuruma’tá. — Toinho Castro, editor da Kuruma’tá
Poesias de Iyadirê Zidanes
Mar majestade
Batesse como onda
Mar aberto, eu sei
São lindos seus recortes
És imensidão
Sou barco flutuante
E veja
O tempo é rei
Tu pleno movimento
Eu embarcação
Te quero
Perceba
Já disse
Não nego
Teus olhos marejam, me trazem pra perto
Mergulho intenso
Paralisa tempo
E converso com o rei pra ter tu mais perto
Não suma
Consome todo meu encanto
Flutua meu versos
Paralisa tempo
Batesse como onda
Mar aberto, eu sei
São lindos seus recortes
és imensidão
Teu colo maresia
Eu embarquei.
Sopro divino
Vovó falou que tenho sopro divino no peito,
Sopro divino no peito.
Dos tempos em que tinha menos concreto pra se olhar,
Menos concreto a se pisar.
Dos tempos que as pessoas olhavam para cima e tinha estrelas como nossos olhos
que brilham, jaboticaba.
Que o chão tinha terra
Vovó falou que tenho sopro divino no peito,
Sopro divino no peito.
Igual às árvores que balançam com a força da água que passa na beira do rio.
Vovó falou que tenho sopro divino no peito,
Sopro divino no peito.
Me contou que peito forte temos todos nós,
Nós! Que vivemos a ser desafiados…
Aquele que já nasce condenado…
Quem consegue sorrir mesmo suportando o peso do fardo.
O fardo?
Sim, de ter nascido com o sopro divino no peito.
E eu que tenho sopro divino no peito!
Igual riso de criança pedindo confeito
Tenho sopro divino no peito.
Sopro
divino
no peito!
Pelas tabelas
Ninguém sabe da missa um terço
E quem se atreve a ter razão?
Distancias dialogais
Mais que conforto, estratégia…
Tanto desencanto
Mas não vale dar a face pra vida bater
Mantenha seu elo
Que já basta no peito uma vontade bigorna
E um desejo martelo.
Limpe o pensamento, acho que o tremor e até a parte que sai de mim.
Vontade que escorre não para,
Esses desejos tudo pedra que não dá pra furar…
Mantenha seus elos
Que já basta esse desejo martelo
E essa vontade bigorna!
Permear
Dizem dos corpos que deixam outros corpos passarem através de seus poros,
permeáveis.
Antes de questionar se toquem!
Para questionar
ou para tirar a dúvida se
ao menos você transpassaria.
Talvez gostaríamos tanto de ser impermeáveis
IMpermeáveis
Mesmo permeando por todos/ por nós/ por esses/ aqueles/ os outros.
Precisamos mais moldar?
Assim como as gotículas atravessam nossa pele ou como o toque que de transpassar
arrepia!
Imagina se tu se apaixonasse?
Que tal se apaixonar por você ?
Por ela?
Poderias transpassar pra tu
O que tanto derrama.
Deleite
Deleta-me de tua mente
deleta-me de nossos planos
minha mente em panos quentes…
Deleto-a-ti.
Deixa queimar as pontas dos dedos
para me soltar sem pena depois de tragar-me ao fim.
Por fim, me amassa, recolhe as cinzas
e limpa teu cinzeiro
até que não haja uma fagulha de mim.