O sol descalço de Carlos Cardoso

Texto de Toinho Castro


Mais um livro de poemas de Carlos Cardoso me chega Às mãos. Sol descalço (Editora Record), lançado nesse ano de 2021, é mais um sopro, mais um alento, em meio à confusão, ansiedade e tristeza que se vive num Brasil devastado pelas perdas contínuas da pandemia. O livro é um breve volume, com 71 páginas, de uma poesia que aprendi a apreciar desde seu primeiro livro que li, Melancolia, de 2019, premiado como melhor livro de poesia de 2019 da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte.

Mas não olho pra prêmios… eu olho para a poesia. Para o poeta.

Leio na primeira linha da apresentação de Italo Moriconi, que este é um livro que chega em boa hora. Não poderia concordar mais. Sou avesso a ler prefácios e afins, mas diante do nome de Italo Moriconi, cedi. O que mais eu poderia dizer sobre esse livro, que fosse além da delicadeza e precisão das palavras do Italo?! Muito bem recomendado, é um livro que chega ainda com uma orelha escrita por Marco Lucchesi.

Cabe a mim então, modesto leitor num apartamento em Vila Isabel, dizer que reencontrar ao trabalho do Carlos Cardoso nesse livro, é um prazer literário, raro. Navego de poema a poema, página a página, com naturalidade, pois essa poesia, não porque seja fácil, mas justamente pelo desafio de um trabalho elaborado, que cria uma tessitura de palavras, que vão se sucedendo, puxando o fio de significados inesperados ao longo dos poemas.

Vou lendo e me surpreendendo. Vou lendo e despertando para as imagens que são como construções surrealistas, pela associação do inesperado a cada verso. Muito gratificante a leitura de Sol descalço, para quem quer que ame a poesia e busque pela linguagem madura, depurada, trabalhada com delicadeza e ao mesmo tempo ousadia.

E o que eu gosto é que há uma musicalidade nesse livro, que abre com um chamado altivo… “Que caia o amanhecer”, para depois trazer uma canção. Brincando alinha os versos

Talvez as palavras me fujam
e eu me disfarce de poeta,
o silencio é minha casa
e a construo em linha reta.

Talvez as palavras me fujam
e eu me disfarce, cortejante,
o silêncio é uma pedra
e a chamo diamante.

Talvez as palavras me fujam
e eu me disfarce de criança,
o silêncio é meu pecado,
e meu verso, a esperança.

Talvez as palavras me fujam
e eu me disfarce, assim, amando,
o silêncio é minha arte
e o criei assim, brincando.

uma beleza que vai se confirmando a cada poema. Li também na apresentação que alguns poemas seriam da primeira lavra do poeta, dos temos de sua adolescência mesmo, o que torna o livro ainda mais precioso e instigante, nos permitindo traçar o percurso do poeta, que talvez seja, ele mesmo, um sol descalço em sua trajetória ou liturgia.

Felicidade grande esse livro nas mãos. Prezo demais a força poética de Cardoso. Muitas vezes não entendo o que estou lendo mas sou carregado, não pelo significado possível, mas pelas cadências, pela suspeita permanente do algo mais, do algo além, pela certeza de sua ligação íntima com o mais humano em nós.