Texto de Toinho Castro —
Não, não se trata de um artigo ou crítica sobre a novíssima minissérie sobre Nara Leão, O canto livre de Nara Leão, disponível na GloboPlay, a qual ainda estou a assistir. É mais um comentário que eu não queria deixar de fazer, estimulado pelos episódios dessa que foi, e é ainda, uma das grandes artistas brasileiras, não só pelo canto, mas pela grandeza de sua atuação no cenário cultural do nosso país. Atuação que deixou marcas poderosas, provocou transformações que reverberam com força ainda hoje.
Certa vez, num desses magazines, dei com um disco recém lançado de Paul McCartney. Era 2001, já um novo século, e encontrar um disco novo do ex-Beatle me deixou curioso. Nunca fui exatamente um fã, um beatlemaníaco, mas acompanhava mais ou menos a carreira dele (preferia então John Lennon!) e resolvi escutar aquele disco nos fones de ouvido da loja. Quando ele começou a cantar na primeira música, uma onde me percorreu. Aquela voz me comoveu.
De repente me dei conta de que eu havia crescido com aquela voz cantando perto de mim, em toda parte. Na minha casa, nas rádios, nos programas de TV. A voz de Macca era a afirmação de que eu pertencia a uma geração, que eu havia crescido, vivido e sonhado num mundo em que os Beatles existiam. Senti um pertencimento.
Ontem, assistindo ao primeiro episódio de O canto livre de Nara Leão, logo nos primeiros minutos, tem ela conversando com um Tom Jobim ao piano. Tom tece alguns comentários, os dois trocam impressões e o maestro começa então a cantar Wave, de sua autoria. Então Nara começa a acompanhá-lo e eu escuto sua voz cristalina, quase impossível. E senti esse pertencimento, essa identidade. Um súbito reencontro comigo mesmo, com minha história e da minha família e das pessoas que frequentavam nossa casa. A história do país em que nasci (Por onde ele anda?). Os amigos da minha irmã, que varavam noites de cerveja e conversa jogada fora, cantando aquelas músicas todas que iluminaram os terríveis anos setenta. Os LPs rodando na vitrola, eu, menino, cantando o disco de 1978 de Chico Buarque, pra minha mãe, no carro em que íamos buscar minha irmã na faculdade.
Conheci Nara em dois duetos, com Chico, em João e Maria, e com Fagner, em Penas do Tiê. Dois artistas a quem Nara abriu portas, e descobri-la por meio deles, não deixa de ser uma curiosidade e também certa justiça se fazendo muito poeticamente e reversamente. Não sei vocês, mas o que eu devo a Nara é enorme. Uma memória, um afeto… uma cristalização de quem produz arte como motor de mudanças na sociedade. O medo do palco, a timidez, nada disso a impediu de seguir em frente, de fazer diferente, de abrir caminhos para si e para os demais, e de nos acalentar e provocar com uma das mais ricas trajetórias de uma artista nesse país. Ou nesse mundo, que tá na hora de parar de circunscrever o talento dessa gente apenas ao nosso território.
Enfim, essa minissérie tá sendo uma oportunidade de reencontro com Nara e todo um universo em que ela atuava brilhantemente e moldou em grande parte o que somos; um universo de pessoas, canções, encontros, lutas. A vida de Nara é uma lição de grandeza e ternura muito bem-vinda nesses dias atribulados que atravessamos. Recuperar sua presença, sua voz tão rara, tão única, é um alento, um conforto e também um chamado a sermos nós mesmos e nos colocarmos com clareza nessa narrativa nublada que nos é imposta. Viva Nara!
Gostaria de destacar na minissérie, a bonita abertura realizada por três amizades queridas: Christiano Calvet, Rodrigo Bleque e Valerycka Rizzo (+ Adriano Mota). Parabéns, gente querida!
Aproveito para parabenizar o diretor Renato Terra, Isabel Diegues e toda a equipe envolvida no projeto.
Fiquei curiosa pra ver a minissérie. Infelizmente não posso dizer que Nara fez parte da minha vida, mas sempre gostei da voz dela.
Sobre pertencimento, sempre soube que Nara era capixaba, ainda que pouco soubesse da real importância dela para a música brasileira, esse fato sempre me transbordava de orgulho, agora eu estou insuportável, Nara é nossa! Que mulher ❤️