Sobre Lucia

Texto de Eduardo Maciel


Olá, queridos kurumateiros!

Espero que estejam todos bem. Eu não estou. Enquanto escrevo, tento de alguma forma preencher esse vazio que tem me acompanhado nos últimos dias. Um vazio do tipo que dificilmente poderá ser preenchido, e já explico o motivo.

Recebi uma ligação inesperada dando conta de que a minha psicóloga foi encontrada morta em seu apartamento. Assim, de repente, de causas que desconheço. 

Durante a pandemia estávamos fazendo as sessões por vídeo. Mas meu tratamento com ela se iniciara no ano 2000, então foram 22 anos de tratamento, onde ela me acompanhou em minhas venturas e desventuras, fracassos e vitórias, meu amadurecimento em si. Passei metade da minha vida até aqui contando com ela.

Eu sei que a princípio vocês devem estar achando estranho, pois em teoria não deveria haver contato pessoal nessa relação entre psicólogo e paciente. E é verdade. Mas depois de 22 anos é impossível que não se crie algum tipo de laço para além do consultório. Especialmente com ela. Lucia. Lucia Ornelas, que Deus a tenha.

A mera ciência de sua existência por si só me fazia forte, porque foi junto com ela que enfrentei meus maiores desafios até hoje: minha orientação sexual diversa, doenças físicas, assédio moral, desemprego, falência financeira, abuso de substâncias e até mesmo o temor da morte. Ela foi sempre incansável, nunca me tomando o protagonismo, mas me fortalecendo para que eu mesmo desse os passos necessários em direção à cura e solução das minhas inúmeras questões interiores.

Mas, sem ela, eis que me deparo com esse vazio. Mas não confundam, pois pra mim é claro por demais. Não se trata do vazio por dependência de suas palavras ou presença física, mas do medo, de não mais poder contar com ela em qualquer evento extremo futuro.

Pude lhe fazer homenagens em vida: dediquei um soneto a ela em meu terceiro livro, a incluí nos agradecimentos do quarto livro, e a reconheço como minha maior incentivadora a me deixar levar pela arte como propósito de vida, principalmente no início dessa jornada.

O medo é uma doença. Se não tratada, te consome. E o único tratamento para o medo é enfrentá-lo. Sem armas, mas com a força do pensamento organizado. Por isso, escrevo para vocês sobre essa tragédia.

Preciso fazer com que essa minha história de terapia interrompida seja útil, como se fosse a grande lição que Lucia deixou para mim, e que agora preciso compartilhar com vocês.

Sejam cientes dos seus medos. Por mais aterrorizantes que sejam, os convidem para um café. Entendam suas formas de operar. Saibam em que partes de vocês eles se acoplam. Assim, e somente assim, vocês serão capazes de entendê-los e depois enfrentá-los, com chances de vitória. 

Esse texto serve para isso. E ao terminar de escrever, estarei aniquilando o vazio do qual falei no início.

Todos nascemos sozinhos, e morremos sozinhos, infelizmente. Nossa única real companhia é o que aprendemos. E a Lucia me ajudou a compreender tantas coisas que usarei todo esse ensinamento como argamassa para selar o vazio. O que morre é o corpo, e não o que o intelecto desse corpo produziu em vida.

Ah, que maravilhosa essa sensação. Já não tenho medo, ao menos não tanto. Já a gratidão, admiração e reconhecimento, esses levarei comigo até que meu corpo se torne inerte. E que Deus tenha piedade de mim assim como certamente teve com a Lucia.

Descanse em paz, loura. Você é luz. Sempre foi, e sempre será. Muito obrigado por tudo!

E quanto a vocês, kurumateiros, peço que reflitam. Porque tudo começa e termina em nossas mentes.

Fiquem bem, fiquem com saúde. 

Até breve!