Texto de Toinho Castro
Queria que toda primavera trouxesse um disco assim. Lançado no último dia 23 de setembro em tudo que é plataforma, Habilidades extraordinárias (Brocal, 2022) é o quinto disco da cantora e compositora, e ilustradora, Tulipa Ruiz! Eu poderia entrar numa assim de dizer que o disco foi gravado no modo analógico, com rolo de fita. Ou que é o primeiro de músicas inéditas em sete anos… Mas prefiro começar dizendo que é um disco muito foda. De arrepiar.
Na primeira música já pensei em mim mesmo, anos atrás, lá no Recife, indo na loja de discos para investigar as novidades e comprar algo que me surpreendesse. E você encontrar um disco como esse, assim, do nada, é incrível. É esse meu sentimento. Falo assim porque, preciso admitir agora, conheço pouco o trabalho da Tulipa. Sei dela, sei que arrasa, porque tenho amigos que não me deixam viver na ignorância. Jorge Lz me falou de Tulipa, a Anne Rocha, célere fada que salpica na minha vida música feita por mulheres, me falou de Tulipa… Mas a gente não dá conta de tudo que quer saber e amar.
Mas hoje dei com Tulipa e seu discaço, nem sei como, por acaso, revirando não a lojinha de discos mas os becos da internet. E já me pegou no coração a música que abre o disco, Samaúma.
Vou misturar vogais com sementes
Vou fazer uma bolsa de água quente Vou tingir com terra os meus quadris Delírio quando encosto meu corpo no rioDiria que por conta da tal da captação analógica das canções (adoro essa palavra… canções), o disco essa textura orgânica, algo aquecido e aveludado, mesmo na hora da porrada. Porque tem porrada. Mas prefiro atribuir isso à gente que tá ali, manipulando sons e palavras, gente movida a sangue nas veias e sistemas nervosos pipocando clarões entre versos e acordes, pois. A voz de Tulipa é uma água límpida que vai achando o caminho, ou melhor, abrindo caminho na mata complexa dos meus pensamento e formando cristais.
A primeira impressão é: Música de verdade. Música de gente reunida, que se faz presente. Música afirmativa, rebelde, poética. Desses trabalhos que a gente joga na cara de quem diz que a música brasileira morreu, que o rock morreu (vi a Rita Lee pontilhada aqui ou acolá?!). E nesse disco a gente tem noção clara da força criativa feminina que impulsiona essa cultura brasileira a todo vapor. Outro dia comentei que a melhor música produzida hoje em dia é feita por mulheres. Habilidades extraordinárias seria prova disso, se algum distraído por aí precisasse de prova.
Tulipa, aliás, é ganhadora de Grammy, sabe?! Não que pra mim isso seja medida do que quer que seja. A mim basta a energia que ela exala, a qualidade inquestionável do que faz e o amor antropofágico, incontido, com que ela faz essas canções.
Produzido pelo irmão de Tulipa, Gustavo Ruiz, o disco traz participações de Negro Leo, Jonas Sa e… porra, JOÃO DONATO, fechando o disco em parceria com a belíssima, gostosa, O recado da flor.
Nessa primeira primavera depois do ciclo mais devastador da pandemia, esse disco vem como um anunciador de manhãs, um expurgador da dor que passamos, um chamado para a dança, para o encontro, para cantar junto. Uma afirmação da poesia que é sobreviver, se desembaraçar das redes lançadas para nos deter. E sair assim, com integridade e cabeça erguida.
Posso ficar falando, escrevendo, debatendo Habilidades extraordinárias com vocês, mas bom mesmo é ouvir, em looping, que nem criança que pede pra escutar a mesma história outra vez. Disco de amor à primeira vista, disco de comprar e correr pra casa pra ouvir. Disco pra ligar pra melhor amizade e dizer: Tu não sabe o som que ouvi inda agora?!
Valeu, Tulipa! Tudo bem!