A poesia de Gabriel Cortilho Revista Kuruma'tá, 21 de dezembro de 202221 de dezembro de 2022 Mais poesia chegando na Kuruma’tá, no inbox mágico da Kuruma’tá. Hoje é o professor e escritor Gabriel Cortilho que nos brinda com esses quatro poemas incríveis, que aqui estou a ler e reler Ao mesmo tempo, há beleza nessas cidadescinzas: corpos se encontram, buscam superaros erros; apesar dos pesares, do Capital, dasclasses, a desigual distribuição da riqueza,espasmos de alegria e amor se aglutinam,& fazem-nos esquecer a tragédia o mundo. Seja bem-vindo, Gabriel, aos domínios poéticos da Kuruma’tá. Seja sempre muito bem-vindo às nossas portas abertas! Fiquemos agora com o que interessa, a poesia de Gabriel Cortilho. ANGÚSTIA Passados os anos,que transcorremou assombram aprende-se, por conta própria,porque nascem as olheirasnos olhos das meninas porque uma pessoa começaa conversar com psiquiatras que petrificam suas emoções tomará esta pílula, criatura do desvio; alma sobrecarregada, eis tua olheira. apreende-se o mundo nomeiam-se as coisasdeixa-se a inquietação diagnósticos cravados na pele qual bois que fogem do pasto Quando a morte procura a vida, recolho-menas ruínas da poesia abraço Ana Cristina César — a angústia é fala entupida BENEDITA Benedita colhia morangos silvestres contava do filme de 1957, da árvore genealógica ressuscitava os mortos, a família, como se não fôssemos ser um deles algum dia: causa perdida também os netos as mães os cães tornaram-se órfãos, com suas avós mortas qual os morangos silvestres perto da fúria terrena das formigas; vivas – no sopro etéreo da memória EXISTÊNCIA Eu te digo o que a liberdadesignifica para mim: não ter medo. Nina Simone Haveria outra oportunidade solar, Existênciade construir o sorriso nas ruínas da tristeza?Não às mãos trêmulas do poema, mas todas,às incontáveis mãos sem teto, sem um afeto. Nem o Sol ou o espírito, mas o unir das mãos,esquecer os nefelibatas, construir-se na ação.Dias em que o Sol me faz renascer tranquilaou fico entorpecido nas sombras do passado.Horas, as lembranças, as pílulas, acumulammarcham os homens-relógio rumo ao Nada. Ao mesmo tempo, há beleza nessas cidadescinzas: corpos se encontram, buscam superaros erros; apesar dos pesares, do Capital, dasclasses, a desigual distribuição da riqueza,espasmos de alegria e amor se aglutinam,& fazem-nos esquecer a tragédia o mundo. À distância ou perto, partilham o sensível,criam vários sentidos à ausência de sentido:almas lascivas na pedra que flutua no espaço;Talvez isso, ou somos bolhas, num tabuleirode forças econômicas, políticas & ocultas,indiferentes à agonia de Gaia e dos homens. ZEITGEIST Foi o sopro do vento na janelao passado a sombra o futurofecho os olhos um turbilhãoos insetos inundam a cabeçaque um dia foi uma sementebarulho lento mas tenebrosoentra aos poucos num corpoporoso desfigura lembrançasimprime na memória falsasaquarelas antigas sensações;escuto: não há mais passadoo futuro? não há mais futuro:apenas o instante construídopouco a pouco & se não saiode dentro de mim sucumbono fluxo do tempo: prenúnciodos pássaros que sobrevoamo relógio a hora da exumação Gabriel Cortilho é professor e escritor, formado em História e mestre em Educação. Autor de doze livretos autorais de poesia, dentre eles A Transa dos Besouros Verdes (2016), Golondrina Subterrânea (2018) e Memórias no Cárcere do Ser (2022). Possui como referência as poesias de Wislawa Szymborska e Fernando Pessoa. E tudo o que contorce ou acalma o espírito. A LeituraPoesia