Hoje, na Kuruma’tá, a poesia da brasiliense Raquel Campos, com uma seleção do seu livro Sad Trip (Corsário-Satã). E começamos traçando uma conexão importante. Raquel tem na poesia concreta dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari uma grande influência no seu trabalho. Neta de Augusto, suas leituras desde cedo percorreram as trilhas a que conduziu a experiência concreta, além de Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa e Cesário Verde! Como não amar a trajetória poética, e de poeta, de Raquel?! Pois a gente aqui na Kuruma’tá ama a poesia concreta e suas derivas. E temos o trio Décio, Augusto e Haroldo em alta conta, como grandes nomes da poesia brasileira. O trabalho deles me tem sido um farol permanente. Então recebo Raquel Campos com alegria.
Outra conexão das melhores que surge com a obra de Raquel Campos é a poeta, tradutora e amiga querida Francesca Cricelli, que escreveu a orelha do livro:
“No belo livro de estreia de Raquel Campos, somos convidados a viajar em seus versos através de cinquenta e dois movimentos, ou paradas. Mas não se deixe enganar pelo título, leitor. “Sad Trip” seria esquivar-se do núcleo vital que aqui se apresenta em diferentes camadas por diferentes caminhos. O poema-prefácio aponta para uma primeira vitória, quase por via de uma loteria. A ela, supostamente, seguem-se tropeços e derrotas, mas toda exploração do eu e do Outro, pensando aqui com a voz de Rimbaud, nos versos da Raquel, é acompanhada por uma brilhante ironia e uma polidez na forma. A voz junta-se aos solitários, em contraposição aos “united”. Nesse caminho, presta homenagem às origens: Décio, Haroldo, Augusto. Porém, o diálogo imbricado no livro vai além das dedicatórias. Raquel está aqui em sua busca por uma verdade que só se revela em verso: entre o dito e o não dito, evoca Guimarães. E, no desfecho da viagem, nos deixa sedentos por outras futuras rotas em verso.”
Com isso o que vemos é que a poesia de Raquel tem tudo a ver com a Kuruma’tá, e vem compor essa trama, e também emaranhado, de poesia que é a nossa revista. Kuruma’tá é casa da poesia. — Toinho Castro, editor da Kuruma’tá!
Trazemos aqui uma seleção de poemas de Sad Trip, uma obra em movimento, composta por diálogos com referências, situações cotidianas, expectativas frustradas e contradições humanas tratadas com um certo humor.
Vamos à poesia de Raquel Campos?!
9.
eles amam como se odiassem
e odeiam como se amassem
não distinguem os cheiros das flores
nem cumprimentam os pássaros
fazem tudo de sangue no mundo
(menos o perdão)
seriam mais felizes
se não
18.
a vida – este
sapato pontiagudo
que queima
na sola do viver –
me caminha
cada passo dado fere
e me impulsiona – ao alto
resta saber de qual abismo
sobreviverei – ao salto
22.
todo o meu sangue mensal
deixo escorrê-lo pelas pernas
gosto de manchar lençóis –
e cabeças – com a minha
tão íntima e suja
destreza
ser mulher
tem dessas
belezas
32.
vim de lá, daquele cerrado quente
a vida ali é assim
o nariz sangra e os olhos mentem
nunca teve nem terá fim
a vista resseca e o coração se ressente
o sangue areia a alma
e a vida nos poeira
a facadas
38.
tomar café
tomar coragem
tomar no cu
seguir viagem
45.
sad trip
ser tudo que poderia –
tristeza infinita
de nunca conseguir –
ser o que eu já seria
precisar de mais
e corromper o que havia
maldita confusão
que fodeu a minha brisa
A brasiliense Raquel Campos nasceu em 1988, é poeta, ensaísta e professora de literatura. Atualmente, trabalha como editora na Relatar-se. Foi professora de Teoria Literária da UNESP (2021-2022) e co-organizou o livro “HC 21: leituras de Haroldo de Campos” (7Letras, 2021). Acadêmica, tem pós-doutorado em Estudos Literários pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e doutorado em Literatura pela Universidade de Brasília (UNB).
“Sad trip” (Corsário-Satã) é seu primeiro livro. Seu próximo livro de poemas está no prelo e se chamará “Meninas, eu vi”. Será publicado pela editora Relatar-se ainda no primeiro semestre de 2023 e parte de uma perspectiva feminista a respeito da sexualidade e prazer femininos.